A Europa não está preparada para a austeridade

A Europa ganhou algum tempo com a operação de salvamento do euro, que custou 750 mil milhões de euros. Mas o problema a longo prazo mantém-se.

Publicado em 11 Maio 2010

A maior parte da União Europeia está a viver acima dos seus meios. Os défices governamentais estão fora de controlo e a dívida do sector público está a aumentar. Se os Governos europeus não aproveitarem esta trégua para controlar a despesa, os mercados financeiros voltarão a ficar perigosamente instáveis. Infelizmente, os eleitores e os políticos europeus não estão pura e simplesmente preparados para o período de austeridade que nos espera.

Dantes, eu pensava que a Europa se tinha saído bem. Os EUA podiam ser uma superpotência militar, a China podia ser uma superpotência económica – a Europa iria ser a superpotência do estilo de vida. Os tempos em que os impérios europeus dominavam o globo tinham acabado. Mas estava bem assim. A Europa continuava a ser a zona com as mais belas cidades, a melhor comida e os melhores vinhos, a história cultural mais rica, os períodos de férias mais longos, as melhores equipas de futebol. A maioria dos europeus comuns nunca tinha tido uma vida tão confortável.

Era uma bela estratégia mas havia nela uma grande falha. A Europa não tem meios para pagar a sua reforma confortável.

Crise grega: o exemplo extremo do problema europeu

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Infelizmente, a crise financeira da Grécia é um exemplo extremo de um problema europeu mais vasto. Há meses que os investidores encaram com nervosismo os níveis da dívida e os défices orçamentais da Espanha, Portugal e Irlanda. Contudo, nem mesmo os quatro grandes da Europa – Reino Unido, França, Itália e Alemanha – são imunes às preocupações. A dívida pública da Itália ronda os 115% do Produto Interno Bruto (PIB). Cerca de 20% desta tem de ser renegociada ainda em 2010. O Reino Unido enfrenta presentemente um défice orçamental de perto de 12% do PIB, um dos mais elevados da Europa. George Osborne, que deverá ser o ministro das Finanças do novo Governo, rotulou as previsões económicas oficiais do Reino Unido de "obra de ficção". O Governo francês não apresenta um orçamento equilibrado há mais de 30 anos. E uma das razões do profundo azedume existente na Alemanha face ao salvamento da Grécia reside na consciência de que a Alemanha já está a ter dificuldade em equilibrar as próprias contas.

É verdade que os cidadãos da Letónia e da Irlanda já aceitaram cortes reais nos salários e nas pensões. Trata-se, porém, de dois países que viveram situações de verdadeira pobreza, ainda presentes na memória e seguidas de períodos de explosão económica insustentável. Os cidadãos dos dois países sabem que os últimos anos foram um pouco irreais.

Escolhas dolorosas inevitáveis

No entanto, como mostram os motins nas ruas de Atenas, nem todos os europeus reagirão tão estoicamente a grandes cortes na despesa. Muitos acabaram por encarar a reforma antecipada, os cuidados de saúde gratuitos e os subsídios de desemprego generosos como direitos fundamentais. Há muito que deixaram de perguntar a si mesmos como são pagas estas coisas. É este sentimento de direito adquirido que torna tão difíceis as reformas. As recentes eleições britânicas ilustraram na perfeição que os políticos têm uma extrema relutância em confrontar o eleitorado com as duras medidas que vai ser preciso tomar.

Todavia, se não aceitarem a austeridade agora, os europeus acabarão por ser confrontados com uma coisa ainda mais chocante – incumprimentos das dívidas soberanas e falências de bancos. Para muitos europeus, este tipo de coisas só acontece na América Latina. A descoberta de que a Europa Latina – e talvez também a Europa do norte – podem igualmente atingir o limite financeiro será um choque terrível.

O crescimento da UE, em dimensão e em poder, alimentou um perigoso sentimento de comodismo. "Bruxelas" foi vendida como uma apólice de seguro decisiva aos países da Europa do sul e central – que aderiram mais tarde do que o núcleo central. Sentiu-se que, depois da entrada na UE, a guerra, a ditadura e a pobreza estavam definitivamente confinadas ao passado. Toda a gente pode desejar ter uma vida tão relativamente confortável e estável como a dos franceses e dos alemães. Durante muitos anos, tudo funcionou na perfeição – enquanto os padrões de vida disparavam em países como a Espanha, a Grécia e a Polónia.

Investidores em vez de exércitos estrangeiros

Nos últimos anos, a unidade europeia também foi vendida como uma apólice de seguro aos membros fundadores da União. Tanto o Presidente Sarkozy, de França, como a Chanceler alemã, Angela Merkel, falam de uma Europa que "protege". A ideia era que uma União que abrangia 27 nações era suficientemente grande para proteger um modelo social europeu único das incertezas da globalização.

Ao nível mais fundamental, a UE protege de facto. Mas, ao mesmo tempo que deixavam de temer exércitos estrangeiros, os europeus começaram a ter medo dos detentores de obrigações estrangeiros. A existência da Europa como "superpotência do estilo de vida" dependeu de um vasto recurso ao crédito.

Tensões políticas cada vez mais fortes

No essencial, a operação de salvamento deste fim-de-semana abre uma derradeira e massiva linha de crédito para os Governos europeus que possam precisar dela. Contudo, a despeito de toda a conversa sobre solidariedade pan-europeia, um dos custos desta linha de crédito será um forte aumento das tensões políticas no interior da UE.

Na Grécia, já se fala muito e em termos amargos da perda de soberania nacional; o que só é equiparável ao que se diz na Alemanha, em termos também amargos, sobre os custos do salvamento dos incompetentes europeus do sul. Na semana passada, conversei com um membro muito respeitado do establishment da UE. Este abanou a cabeça, com tristeza, quando se falou das amargas recriminações mútuas entre gregos e alemães e do facto de a crise ter "colocado dois povos um contra o outro". Isto, disse ele, é o que há de mais próximo de uma guerra, na Europa moderna.

Esperemos que assim seja. Mas os europeus estão a descobrir que o "projecto europeu" não garante protecção contra a crueldade do mundo exterior. As coisas ainda podem vir a correr muito mal – mesmo dentro do jardim murado da União Europeia.

Opinião

Os gregos sacrificados no altar do dogma

"Atenas foi atingida por uma grave pneumonia e Wall Street também tossiu", constata, no Lidové noviny, um especialista de um gabinete de consultoria financeira. Pavel Kohout recorda que a Grécia, que representa apenas 2,5% do PIB da UE, pôs em perigo os mercados financeiros do mundo inteiro. Na opinião de Kohout, para evitar que a crise grega se propagasse e se agravasse, a UE deveria ter deixado a Grécia falir e sair da zona euro.

"Se os representantes da UE tivessem dito, desde o princípio, que se tratava de um assunto interno da Grécia e que a zona euro sobreviveria à falência de um dos seus membros, o efeito de saneamento teria sido o mesmo, porque os outros países ficariam mais atentos, para manterem os seus sistemas financeiros equilibrados", afirma o mesmo perito.

"Com a saída do seu membro mais fraco, o euro poderia recuperar a confiança" dos mercados, pensa Kohout. Deste modo, a Grécia teria podido gerir a crise, desvalorizando a moeda nacional, o que seria "a medida mais simples, necessária para o relançamento do seu crescimento económico". Mas "a Grécia não pode sair da zona euro", observa Kohout, que sublinha que a zona euro se tornou "um dogma" e a sua vulnerabilidade um verdadeiro "tabu político". Assim, a Grécia foi obrigada a aceitar todas as medidas de austeridade "dolorosas", impostas pela UE.

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