A possibilidade de Bruxelas reduzir, ou mesmo cortar, as ajudas públicas às produções audiovisuais europeias que se enquadram no programa MEDIA pôs em pé de guerra os grandes nomes do cinema do velho continente. Um grande número de cineastas assinou já uma declaração em que lamenta os planos de poupança da Comissão Europeia no que se refere ao cinema. "Rejeitamos totalmente a supressão do Programa MEDIA ou mesmo a sua fusão com outro tipo de programas mais amplos (…) Pedimos ao presidente da Comissão Europeia que receba o mais rapidamente possível uma delegação de cineastas europeus", diz o comunicado.
Entretanto, fontes da Comissão desmentiram a possibilidade de supressão: "O programa MEDIA não está em perigo. É um grande sucesso", afirmou Dennis Abbot, porta-voz da Comissária para a Educação e Cultura, Androulla Vassiliou. Outra questão é o programa vir a sofrer algumas alterações, por um lado, no que se refere à adaptação do setor às mudanças tecnológicas e, por outro, devido ao inevitável reajustamento dos orçamentos das instituições comunitárias.
O MEDIA foi lançado em 1991 e, quando terminar, em 2013, o atual plano orçamental da Comissão, terá investido 1,7 mil milhões de euros no cinema. O programa, que agora completa 20 anos, já apoiou sete filmes europeus que ganharam Óscares de Hollywood e, na última década, oito filmes que conquistaram Palmas de Ouro, em Cannes. Entre eles incluem-se A vida é bela (1999) e O discurso do rei.
O MEDIA nasceu para contribuir para a promoção e distribuição de películas europeias, embora também invista na formação de produtores, guionistas e realizadores e na organização de festivais. "E, através do apoio a distribuidores independentes, o programa conseguiu que os espetadores europeus pudessem ver filmes feitos noutros países", disse o porta-voz.
"As televisões não compram cinema europeu"
Não está excluída a possibilidade de o MEDIA vir a ser absorvido por um programa genérico de apoio à indústria da criação europeia. Dilui-lo num programa vocacionado para fomentar a criatividade europeia abre caminho a que fundos até agora claramente destinados ao cinema possam ser atribuídos a outras áreas. A mera hipótese de cortes nos subsídios comunitários ao cinema fez tremer algumas pessoas em Espanha. Que aconteceria se não existisse o programa MEDIA? "É evidente que alguém havia de comprar a película vencedora em Cannes ou em Berlim. Mas só esse tipo de filmes", comenta Josetxo Moreno, da empresa de distribuição e exibição Golem. "Nós trouxemos o filme romeno vencedor da Palma de Ouro ‘4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias’. E, depois dele, foram distribuídas em Espanha outras pérolas do cinema romeno que, sem o programa MEDIA, nunca teriam sido vistas no nosso país."
Para José Luis Cienfuegos, diretor do Festival de Cinema de Gijón, "as bases económicas de muitos certames seriam abaladas e, além disso, desapareceria o programa que mais contribuiu para criar uma consciência de unidade europeia no audiovisual". Um festival como o de Gijón, comenta o seu diretor, "recebe um subsídio direto, desde que 70% dos filmes sejam europeus". Mas o importante não é a quota nem o dinheiro, "que, num orçamento exíguo se nota", mas o facto de que, "sem ele, não haveria consciência europeia".
Enrique González Macho, da empresa de distribuição e exibição Alta Films, mostra assim a sua preocupação: "Haveria cinematografias que nunca mais veríamos em Espanha. O programa MEDIA fomentou uma oferta, a do cinema europeu, que fez com que passasse a haver um público que pede mais títulos”. E vai mais longe: "As televisões não compram cinema europeu, as pessoas estão sempre a fazer transferências [da Internet]… O MEDIA funciona muito bem, vigia todos os investimentos e, além de nos ajudar a comprar um filme, apoia-nos no lançamento nas salas. Num momento de alteração do modelo de negócio, o desaparecimento do MEDIA acabaria com o cinema europeu, porque esta iniciativa tem um efeito multiplicador junto do público”.
Reações
Bruxelas procura dissolver medos
“A Europa quer acabar com o seu cinema?”, interroga-se o Les Inrockuptibles, perante a ameaça da Comissão Europeia de dissolver o programa Media num vasto “mecanismo comunitário”. No entanto, escreve a revista, “este programa não pesa nos cofres da UE e a sua eficácia é real”, diz, apoiando-se em números, Claude-Eric Poiroux, diretor-geral da rede Europa Cinemas: as salas que beneficiaram dos subsídios consagraram 38% da sua programação aos filmes europeus não nacionais, em 2010, enquanto estes têm uma parcela de mercado que varia entre os 8 e os 10%, na Europa. “E, entretanto, o sentimento europeu recua inexoravelmente, por todo o lado…”, sublinha o semanário cultural francês. “Não, a Europa não abandona os cineastas”, afirma a comissária europeia para a Educação, Androulla Vassiliou, nas páginas do Libération. Segundo ela, os temores de uma possível suspensão do programa MEDIA são “infundados” e “injustificados”. “A diversificação possível das fontes de financiamento não tem nenhuma razão para se traduzir em negação desse mesmo programa”, explicou a comissária, que afirmou querer “estabelecer um diálogo construtivo e aberto com todas as partes envolvidas”.