Uma manifestação de apoio a Ante Gotovina, em Split, após a sua detenção em dezembro de 2005.

Os croatas enfrentam a sua História

A condenação do antigo general Gotovina por crimes de guerra, em 15 de abril, foi muito mal recebida por um povo que o considera um herói da guerra da ex-Jugoslávia. Mas este veredicto é também uma oportunidade para repensar o que aconteceu, considera uma colunista.

Publicado em 20 Abril 2011
Uma manifestação de apoio a Ante Gotovina, em Split, após a sua detenção em dezembro de 2005.

A má notícia chegou do Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI) e apanhou o Governo croata desprevenido, fechando-se nas suas quatro paredes, protegido pela polícia e aparentemente chocado com o veredicto. Os generais Ante Gotovina e Mladec Markac foram condenados, respetivamente, a 25 e a 18 anos de prisão, por crimes cometidos durante a Operação Oluja (Tempestade) de 1995. Foi assim que as forças croatas retomaram o controlo da Krajina (no sul); 324 sérvios foram mortos e 90 mil obrigados a fugir, segundo o TPI para a ex-Jugoslávia.

Do ponto de vista jurídico e político, o veredicto vai suscitar interpretações contraditórias e diversificadas e o seu epílogo só será conhecido após o apelo que a defesa dos generais decidiu interpor. Até lá, três coisas devem ser recordadas à opinião pública croata, ao rubro por uma condenação que considera injusta e humilhante.

Haia legitima a guerra contra a ocupação sérvia

Primeiro, nunca o TPI questionou a legitimidade da guerra contra a ocupação pela Sérvia, nem a Operação Tempestade, que permitiu a libertação de um terço do território croata. O Tribunal retirou, assim, argumentos aos que defendiam que a Haia era palco de uma conspiração anticroata e que negava ao povo o legítimo direito de se defender.

Em segundo lugar, o TPI nunca pôs em causa a criação do Estado independente da Croácia, no início de 1990, que coincidiu com a agressão armada das forças de Slobodan Milosevic e a rebelião de uma parte da população [a minoria sérvia]. Nem sequer implicitamente, alguma vez o Tribunal sugeriu que o Estado croata fosse fundado sobre um crime.

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Condenados por terem fechado os olhos

Em terceiro lugar, os generais não foram condenados por terem conduzido esta operação ao mais alto nível. Foram-no por terem fechado os olhos a crimes cometidos contra cidadãos sérvios; por não terem evitado esses crimes e por não terem afastado das suas fileiras aqueles que pretendiam queimar casas, matar idosos e pilhar os seus bens. Se tivessem assumido essa responsabilidade indissociável a qualquer comandante numa guerra, não teriam sido condenados – nem sequer julgados.

Estas explicações são muito importantes para o princípio da equidade, mas também por respeito pela história nacional. Também são importantes para acabar com a manipulação que pretende que qualquer condenação de um croata por crimes de guerra seja automaticamente considerada um ato anticroata.

Reações

Choque, humilhação e ressentimento contra a Europa

A condenação de Ante Gotovina foi "um choque" para os croatas, considera o Večernji list. E nas horas que se seguiram ao veredicto, em 15 de abril, dezenas de milhares de pessoas saíram para as ruas, em Zagreb e noutras cidades, denunciando a "traição" do Governo. Muitos atacaram os símbolos da União Europeia. O Partido Croata do Direito (de extrema-direita) pediu mesmo a suspensão das negociações de adesão da Croácia à UE. De acordo com uma sondagem do Jutarnji list, realizada imediatamente após o anúncio do tribunal, apenas 23% dos croatas estavam a favor da adesão do seu país à UE, 86,9% sentiam-se "humilhados" com o veredicto do TPI e, para 95,4%, a decisão era "injusta".

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