Quem viu ontem as imagens da batalha campal entre manifestantes e a polícia grega na famosa Praça Syntagma e ouviu as notícias sobre as divergências entre os partidos helénicos contra o novo pacote de austeridade terá certamente chegado à óbvia conclusão de que nós não somos a Grécia.
Por cá, temos um amplo consenso político, que envolve mais de 80% dos deputados no Parlamento. Foi conseguido um acordo social no sentido de concretizar reformas no mercado de trabalho que eram exigidas pela troika, nomeadamente a flexibilização do despedimento individual.
Entre o Governo e os parceiros sociais foi acordada a redução do número de feriados e dos dias de férias. O montante do subsídio de desemprego passou a ser menor. A lei das rendas foi revista.
As participações do Estado na EDP e REN foram alienadas a capitais chineses. E tudo isto e muito mais foi feito sem agitação nem sobressalto e muito menos violência.
Por tudo isto, Portugal não é, pois, a Grécia. Mas isso não chega para os outros terem a mesma opinião. Sobretudo começa a instalar-se a ideia de que Portugal não estará em condições de voltar aos mercados em 2013.
A troika vai exigir novos sacrifícios
A esse propósito, a conversa entre os ministros alemão e português das Finanças, gravada indiscretamente pela TVI, foi elucidativa: até Wolfgang Schäuble já coloca em cima da mesa a possibilidade de o programa português ser ajustado, dando a garantia de que, nesse caso, a Alemanha estará disponível para o fazer. Curiosamente, a indiscrição foi suficiente para os mercados acalmarem e para as taxas de juro da dívida soberana entrarem em queda.
Não nos iludamos, contudo. É perigosa a ideia que se tem vindo a instalar de que as coisas vão correr bem, porque há muitos fatores que não dominamos. Por exemplo, o colapso da Grécia e a sua saída do euro. Por exemplo, uma recessão mais profunda na Europa do que o que é esperado neste momento.
É verdade que, tendo em conta o colapso do Estado que foi o berço da democracia ocidental, a União Europeia está sedenta de um caso exemplar, que prove que as políticas de austeridade defendidas pela troika são bem-sucedidas. Portugal pode ser o exemplo perfeito. Mas temos de estar preparados para que, antes de nos darem uma nova ajuda, os nossos parceiros nos peçam mais sacrifícios.
Para saber quais, nada melhor do que revisitar os dez mandamentos que a troika colocou à frente dos partidos gregos para assinar. Se as escrutinarmos, vemos que a nós ainda não nos pediram a redução do salário mínimo (inferior ao grego — € 485 contra 750), o fim dos 13º e 14º meses pagos no setor privado, a redução dos dias de férias pagos e os despedimentos na Função Pública. E a obsessão pela descida da taxa social única não passou.
É excelente que os mercados percebam que não somos a Grécia. Mas daí a pensar que temos à nossa frente uma estrada de Damasco e não um caminho de pedras até chegarmos a porto seguro vai uma enorme distância.
Crise da dívida
De Lisboa a Atenas é apenas um passinho
Os representantes da troika de credores de Portugal (a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional) deverão chegar a Lisboa, a 15 de fevereiro, para a sua terceira avaliação da execução das reformas exigidas pelo plano de resgate de 78 mil milhões de euros, assinado em maio de 2011. O pagamento de uma nova parcela de 14,9 mil milhões de euros (40 já foram pagos) depende do resultado da análise da troika.
O Governo português, a começar pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, tem afirmado repetidamente que "Portugal não é a Grécia" e que respeitará os seus compromissos, como lembra o diretor do Expresso, Ricardo Costa. Mas, para evitar a comparação, Passos Coelho anunciou ter a intenção de ir "além da troika" e acelerar as reformas estruturais previstas. Uma estratégia perigosa, na opinião do semanário, porque
dificulta a obtenção de um consenso político alargado quando for necessário negociar novo resgate. [...] Esta separação pode colocar Portugal numa situação ‘grega’ quando a troika se sentar com os partidos a negociar o prolongamento do resgate. O consenso de há um ano já só existe no papel. Desse desentendimento até à Grécia o caminho é curto. Muito curto.