Barack Obama (à dr.) rodeado pelos líderes europeus durante a conferência da ONU sobre clima de Copenhague, em 2 de Dezembro 2009. (AFP)

A Casa Branca e os 27 anões

Ao recusar o convite europeu para a cimeira UE-EUA de Maio próximo, Barack Obama revela as fraquezas da Europa. O Tratado de Lisboa, que deveria proporcionar um interlocutor europeu único aos outros países, acabou por multiplicá-los, sublinha a imprensa, que entende a irritação de Washington.

Publicado em 3 Fevereiro 2010 às 18:02
Barack Obama (à dr.) rodeado pelos líderes europeus durante a conferência da ONU sobre clima de Copenhague, em 2 de Dezembro 2009. (AFP)

"Após o desnorteamento face à China na Conferência da ONU sobre o Clima, em Copenhaga, a Europa deve remeter-se também à sua insignificância perante os Estados Unidos?",interroga-se o Le Figaro, um dia depois do anúncio da não presença de Barack Obama na cimeira UE-EUA prevista para Maio próximo. É certo, acrescenta o Wall Street Journal, que "a posição da Europa na cena mundial não tem sido brilhante, nos últimos tempos". Não surpreende que os Estados Unidos estejam "cansados das disputas entre os líderes europeus, a julgar pelo tom sobranceiro da declaração norte-americana que anula a participação de Obama na cimeira UE-EUA", escreve o Süddeutsche Zeitung, salientando o facto de Washington subordinar qualquer nova cimeira bilateral a um acordo entre os europeus sobre as competências respectivas.

"O facto de os norte-americanos recorrerem precisamente ao Tratado de Lisboa para justificar a não vinda de Obama é, em si, uma ironia. Durante os dez anos em que os europeus andaram a discutir a reforma, ouvia-se frequentemente o argumento de que, para ser escutada pelo mundo, tinha de falar a uma só voz. Agora que o Tratado de Lisboa está em vigor, em vez falar a uma voz, a UE fala a quatro vozes – no mínimo! É compreensível que estes bizarros desaguisados intra-europeus não agradem aos norte-americanos", sublinha o diário alemão.

Uma plétura de presidentes

É que, como sublinha o Wall Street Journal, a União tem actualmente "uma série de presidentes: o do Conselho, Herman Van Rompuy; o da Comissão, Durão Barroso; e o da presidência rotativa da União, actualmente ocupada pela Espanha". Barack Obama tomou a decisão certa, considera Ilana Bet-El. Segundo a editorialista do The Guardian, desde que o Tratado de Lisboa foi finalmente ratificado, "Bruxelas está obnubilada por si própria e pelas suas instituições". As quezílias internas sobre "quem faz o quê de acordo com as novas regras" multiplicam-se e os países-membros estão "também voltados para si mesmos: o Reino Unido em pleno inquérito sobre o Iraque, os franceses mobilizados pelo debate sobre a identidade nacional e a Itália demasiado ocupada com os escândalos de Berlusconi".

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No seu blogue consagrado à União Europeia, o The Economist salienta que alguns diplomatas norte-americanos "evocam o pesadelo do 'bem-vindos a Lilliput' vivido por Obama aquando da sua visita a Praga, no ano passado, quando aterrou numa cimeira UE-EUA destituída de objectivos. Após a reunião, os responsáveis norte-americanos queixavam-se de que os 27 líderes nacionais tinham todos apresentado as mesmas coisas a Obama, antes de se disputarem para aparecerem ao lado dele nas fotografias".

Um cumprimenro escondido

A anulação da visita de Obama ao Velho Continente, não deveria vexar os seus líderes, modera Antonio Missiroli, no The Independent: por um lado, porque, como afirma o director do European Policy Center, um centro de estudos bruxelense, esta cimeira não tem um objecto real, "não inclui nenhum grande processo na ordem de trabalhos", e "a UE queria organizá-la unicamente por razões formais". Por outro lado, "porque esta anulação pode ser interpretada como uma espécie de cumprimento, embora um pouco retorcido", brinca Gideon Rachman no Financial Times, porque, "ao contrário do Afeganistão, do Paquistão, da China e da Rússia, Obama considera que a Europa como um lugar agradável e tranquilo, que parece não se portar mal".

Do lado espanhol, o diário El País salienta que, em Madrid – que disputava com Bruxelas o privilégio de acolher a cimeira –, a anulação provocou o ranger de dentes de várias pessoas e revela cruamente o optimismo do Governo espanhol e "a ênfase com que vendeu a pele do urso antes de o ter morto" – a vinda a Espanha de Barack Obama –, bem como a "patética confiança" do chefe do Governo espanhol, José Luis Zapatero. Este, que enfrenta uma grave crise económica, apostava no "efeito milagroso das fotografias de recordação" com Obama. Mas a ausência deste último, nota o diário espanhol, tem mais a ver com as prioridades do Presidente norte-americano: "confrontado pelas sondagens", decidiu "relegar para segundo plano a política estrangeira" e concentrar-se na economia e nos aspectos sociais.

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