"Olof Palme, uma parte da Suécia", dirigido por Lucas Svensson no Teatro Municipal de Estocolmo, a 26 de janeiro de 2012.

A crise de fé dos sociais-democratas

O império dos sociais-democratas suecos está a desmoronar-se. Mal posicionado nas sondagens, o partido mudou repentinamente de líder e procura uma nova identidade. Reportagem em Vasteras, onde este exerce uma influência preponderante.

Publicado em 20 Fevereiro 2012 às 11:08
Carl Thorborg  | "Olof Palme, uma parte da Suécia", dirigido por Lucas Svensson no Teatro Municipal de Estocolmo, a 26 de janeiro de 2012.

Teatro municipal de Estocolmo, final de janeiro. Pela primeira vez após o assassinato de Olof Palme, o lendário primeiro-ministro social-democrata assassinado em 1986, estreia uma peça de teatro sobre o acontecimento. Olof Palme, uma peça sueca, não marcará a história do teatro.

Mas, dela, sobressai uma certa verdade cheia de nostalgia, palpável em termos de reações. "A parte social-democrata do paraíso socialista é aqui, na Suécia.” "A Suécia é social-democrata. É assim, pura e simplesmente."

Entre o público, contavam-se muitos social-democratas anónimos que conheceram a grande época de Palme nos anos 1970. “Os líderes atuais do partido andam perdidos”, comenta Lasse Hornberg, um antigo sindicalista. “Dão a impressão de que tudo pode continuar como dantes. Isso deixou de ser possível com a globalização. Mas os fundamentos da social-democracia ainda devem poder ser aplicados.”

"O ser humano tem que voltar a ser o tema central"

Quis o acaso que a primeira apresentação tivesse lugar no meio de uma das maiores crises da história do partido: depois de perder duas eleições, em 2006 e 2010, caiu ainda mais – para menos de 23%, segundo uma sondagem de finais de janeiro – com o fiasco provocado pelo seu presidente, Håkan Juholt, obrigado a demitir-se em 21 de janeiro, após apenas dez meses na liderança.

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Uma coisa nunca vista neste partido, que tende a considerar que o governo do país lhe é devido. A ligeireza na gestão de diversas pastas por Håkan Juholt foi criticada, acusando recentemente o Governo de ter adotado uma nova doutrina de defesa com o apoio da extrema-direita. E, em outubro, soube-se pela comunicação social que recebeu indevidamente subsídios de alojamento.

Em menos de uma semana, os social-democratas, pressionados pelas sondagens, nomearam um novo líder, Stefan Löfven, antigo operário e presidente do sindicato IF Metall. Nesse laboratório da social-democracia que a Suécia sempre quis ser, todas as esperanças de renovação estão agora viradas para ele.

Västerås, a 100 km a oeste de Estocolmo. Esta antiga cidade industrial é a capital do Västmanland, que antigamente era a região mais social-democrata da Suécia. Hoje, a esquerda está equilibrada com a direita e, geralmente, é a extrema-direita quem provoca o desequilíbrio. A antiga fábrica de cobre foi reconvertida em escola cultural e locais associativos.

Os membros da Velha Guarda, a associação dos social-democratas seniores de Västerås, reúnem-se neste local todas as sextas-feiras. São uma vintena. Nesse dia, é discutido o programa do partido. Os cinco pontos da agenda vêm de cima, de Estocolmo. Globalização, clima... Vários veteranos gesticulam. "Que grandes palavras, insurge-se uma militante. Queria que falássemos de garantias sociais, das condições de trabalho, mas a agenda não inclui esses temas. O ser humano tem que voltar a ser o tema central!"

Brage Lundström, um antigo pintor da construção civil, secretário de secção, pensa que “é preciso esquecer essas histórias de esquerda e direita no partido. E regressar à colaboração entre o Estado e a indústria. Com o perfil que tem, Löfven pode ser o homem da situação”.

Como outros em Västerås, acena a sacrossanta referência dos acordos de Saltsjöbaden de 1938, que selaram o pacto fundador da Suécia moderna com um governo que deixava o patronato e os sindicatos negociar sozinhos os acordos coletivos, mantendo o respeito mutuo no interesse público.

Um partido inútil?

Não muito longe, Olle Winkler, representante local do sindicato IF Metall, de onde saiu o novo líder do partido, segue uma linha similar, num momento em que o desemprego atingiu 7,1%, em dezembro de 2011, uma taxa elevada para o reino.

No passado, os governos social-democratas sempre foram conhecidos por favorecerem as grandes empresas, permitindo, por exemplo, a expansão de grupos como a Ericsson, ou até a ABB, a empresa mais importante de Västerås, que beneficiou desta cooperação com o Estado após a II Guerra Mundial. "É deste capitalismo do Estado que estamos à espera, insiste Winkler Olle. Se não regressarmos ao que é essencial, não teremos sucesso."

Na antiga fábrica de cobre, Roland Sundgren, que animou a reunião da Velha Guarda, conheceu o apogeu da social-democracia e o início da sua queda, pois foi deputado de 1970 a 1994. "O momento em que Milton Friedman recebeu o Prémio Nobel da Economia, em 1976, marcou o início do fim. Reagan e Thatcher aplicaram as suas receitas, mas a Suécia também. Começamos a desregulamentar, a privatizar. Em 1985, o ministro social-democrata das Finanças e a sua equipa eram chamados ‘a direita financeira’ do partido. Palme era primeiro-ministro, mas deixou andar as coisas. Foram eles que desregulamentaram os mercados e liberalizaram os bancos."

Muitos em Västerås fazem esta referência à rutura de 1985, a esta aceitação das teorias neoliberais da social-democracia. Assim como este apelo a um novo capitalismo de Estado. Um discurso muito diferente daquele que se ouve em Estocolmo.

Na capital, a prioridade é reconquistar a classe média das grandes cidades como a única maneira de recuperar o poder. Por isso, os debates sobre o que em Västerås se chama "os detalhes" e, em especial, o privado dentro dos serviços públicos e a grande questão dos direitos adquiridos.

"Há forças dentro do partido que acham que não temos de interferir nessas histórias dos lucros nos serviços do Estado social, como as escolas, os cuidados de saúde ou a assistência aos idosos", lamenta Roland Sundgren. "Seria terrível que os social-democratas continuassem a pender para a direita. Nesse caso, o partido tornar-se-ia inútil", como alertou um dia destes um editor do Aftonbladet, um jornal diário próximo dos social-democratas.

No final da peça que está agora em cena em Estocolmo, Olof Palme deixa o palco a seguir a uma última pergunta da atriz que desempenha o papel de uma antiga militante e lhe pergunta para onde vai. "Não sei para onde vou", responde Olof Palme.

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