O Presidente francês François Hollande e Gérard Depardieu: "Já não suporto o Astérix".

A grande evasão fiscal

O monumento do cinema francês, Gérard Depardieu, instala-se na Bélgica para pagar menos impostos. A sua decisão desencadeou aceso debate sobre a tributação dos ricos em 75%, o patriotismo económico e a fiscalidade na Europa.

Publicado em 17 Dezembro 2012 às 15:48
O Presidente francês François Hollande e Gérard Depardieu: "Já não suporto o Astérix".

Há dois séculos, ou um pouco mais, os aristocratas franceses escolhiam o exílio para escapar aos sans-culottes (revolucionários)... e à guilhotina. Outros tempos, outros costumes, os (muito) ricos escolhem hoje o exílio fiscal para escapar a uma tributação que consideram assassina ou, pelo menos, "confiscatória".

Gérard Depardieu é um deles. E, como acontece frequentemente com este monumento do cinema francês, o caso assumiu proporções tão desmesuradas quanto absurdas. A sua decisão, anunciada há alguns dias, de residir na Bélgica é muito clara: pretende beneficiar da fiscalidade indulgente daquele país. Sem temer desencadear um psicodrama nacional, à altura da sua celebridade. "Lamentável", comentou o primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault.

"Quem é o senhor para me julgar assim?", replicou um Depardieu teatral, ameaçando entregar o passaporte e prescindir da nacionalidade francesa. E desencadeando novo alarido: o ministro do Trabalho falou sem peias de "uma forma de degradação pessoal" e a ministra da Cultura aconselhou, com mais humor, o ator a "regressar ao cinema mudo".
Um deputado socialista chegou ao ponto de sugerir que fosse retirada a nacionalidade aos exilados fiscais.

As mentes lúdicas encararão este "caso" como uma comédia burlesca. Os mais políticos, como uma fria réplica dos mais afortunados aos rigores do fisco francês e como prova de que, a partir de agora, para os ricos, a gestão do seu capital é muito mais preocupante que o interesse nacional. No entanto, uns e outros fariam bem em meditar nas causas profundas deste psicodrama.

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O espírito dos Direitos do Homem

Estas remontam à campanha para as presidenciais. Querendo deixar a sua marca e dar garantias à sua esquerda, François Hollande causou surpresa ao propor tributar em 75% os rendimentos superiores a um milhão de euros. Confiscação para a direita – o que é discutível, uma vez que houve taxas semelhantes nos anos 1970 –, esta taxa, assegurava Hollande, era justificada pelo dever de solidariedade e para acertar as contas públicas. É evidente que o argumento não convenceu os interessados. E com razão.

Por um lado, a taxa de 75% parece punitiva. Se tivesse querido respeitar o espírito da Declaração dos Direitos Humanos, segundo a qual os cidadãos devem pagar impostos "em razão das suas faculdades", Hollande teria lançado dois, três ou mesmo quatro escalões suplementares, chegando assim, se necessário, à taxa de 75%. Parece também que a fiscalidade num único país é bastante ineficaz, na hora da globalização e da livre circulação de cidadãos na Europa.

Hollande poderá vir a pagar o preço político do seu golpe eleitoral da primavera. E a arrastar esta polémica como Nicolas Sarkozy arrastou o seu escudo fiscal. O aumento dos impostos é necessário, os mais ricos devem contribuir mais que os outros. Mas, no fim, a brutalidade simbólica dos 75% destrói essa mensagem.

Visto de Bruxelas

Na Bélgica, reina a ironia e a descrição

Se, em França, a decisão de Gérard Depardieu de se exilar fiscalmente na Bélgica suscita insultos, do lado belga a situação é encarada com ironia e sentido de humor. La Libre Belgique dizia a 17 de dezembro que o “Ator todo-o-terreno procura clima fiscal clemente”, a propósito do anúncio de que o ator francês tinha andado a informar-se sobre as condições para pedir a nacionalidade belga.

No entanto, o correspondente do Temps em Bruxelas sublinha “o silêncio da Bélgica”. No momento em que o Presidente francês François Hollande acaba de “confirmar a sua intenção de renegociar as convenções fiscais” entre a França e a Bélgica, o primeiro-ministro belga Elio Di Rupo evitou cuidadosamente manifestar-se sobre o assunto. Assim se justifica, nota Richard Werly, que

do lado belga não se tenha ouvido uma palavra oficial sobre “este caso”, nem sobre a polémica que Gérard Depardieu relançou domingo na sua carta bastante dura. Um silêncio que suscita duas questões: a atual fragilidade política de Elio Di Rupo, e a ratoeira representada na Bélgica pela questão da fuga de capitais, em geral, e da fuga ao fisco, em particular.
O silêncio de Elio Di Rupo, cuidadoso a comentar o exílio na Bélgica do multimilionário francês Bernard Arnault, revela assim os limites, tendo em conta a complexa situação política nacional belga, do plano europeu de luta contra a evasão fiscal apresentado em Bruxelas a 6 de dezembro pela Comissão Europeia.

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