A guerra de Espanha dos nossos dias

A cada massacre os argumentos a favor do derrube do Bashar al-Assad são mais convincentes. O mesmo não se pode dizer os argumentos a favor do apoio aos seus adversários, escreve o jornalista polaco.

Publicado em 5 Junho 2013 às 15:36

Há vinte anos, o filósofo francês Bernard-Henri Lévy fazia um paralelismo entre a guerra de Espanha e o conflito bósnio, descrevendo a guerra na Bósnia como a luta contra o ressurgimento do fascismo europeu sob a forma do nacionalismo assassino sérvio.
Esta análise era extremamente exagerada. A Bósnia era um conflito de nacionalistas armados, croatas e sérvios, com o jovem nacionalismo bósnio, quase desprovido de armamento, e, consequentemente muito menos perigoso. Se bem que este conflito tenha dado azo com massacre de Srebrenica, ao primeiro ato de genocídio na Europa desde a segunda guerra mundial, é agora mais fácil encontrar os herdeiros do fascismo europeu nas ruas da Europa ocidental do que nos Balcãs (com a notável exceção da Grécia e o seu Amanhecer Dourado).

Um novo “Fascintern”

A Bósnia não era uma “guerra de Espanha dos nossos dias”, porque foram as democracias e não os aliados estrangeiros de Karadžić et Mladić, que acabaram por intervir militarmente, colocando um ponto final nos sonhos sérvios de vitória e a impor um acordo de paz.
Agora é a Síria a que chamamos de “a nova Bósnia”, sublinhando a ausência de intervenção internacional face à escalada das mortes. De facto, a Síria merece mais ser qualificada como a nova Espanha, mas por causa da participação massiva de países terceiros no conflito.
O regime de Bachar El-Assad não poderia sobreviver sem o auxílio diplomático da Rússia, sem as armas iranianas, nem sem os projéteis para os canhões fornecidos pelo Hezbollah libanês. Numa declaração recente, o seu líder, o Xeque Hassan Nasrallah, confirmou publicamente, pela primeira vez, que o destino do Líbano e do movimento palestiniano dependia da vitória de Assad. Qualificou de takfiris, ou apóstatas, os que se opõem ao presidente sírio (enquanto que os alauitas que apoiam Assam são, eles próprios, um ramo herético do islamismo xiita) e anunciou a luta até a última gota de sangue.
Em resposta foram disparados três mísseis Katyusha para a zona de Beirute controlada pelo Hezbollah, e um dos chefes rebeldes sírios sugeriu ao exército libanês que tratasse do Hezbollah, senão eles “próprios o fariam”. A guerra já não ameaça apenas atravessar as fronteiras da Síria. Isso já foi feito há duas semanas com a explosão de dois carros-bomba na cidade fronteiriça turca de Reyhanlı, que custou a vida a 50 pessoas. A Turquia não foi atacada pelos rebeldes, mas seguramente por forças governamentais sírias ou pelos seus aliados.
A Rússia, o Irão e o Hezbollah são uma forma contemporânea do “Fascintern” dos tempos da guerra de Espanha (os apoiantes do governo espanhol: a Alemanha e a Itália; referência ao “Komintern” da década de 1930 liderado pela URSS), se bem que na Síria de hoje, ao contrário da Espanha dessa década é o governo e não os seus opositores armados que representam a ditadura.
Por outro lado, na ala rebelde, encontramos o “Sunnintern” – a internacional sunita – com a Turquia, a Arábia Saudita e o Qatar que lhes fornece dinheiro, armas e combatentes.

O “Sunnintern” tem problemas que cheguem

As democracias são habitualmente partilhadas. A UE foi incapaz de se entender sobre uma posição comum e não prolongou o embargo ao armamento. Foi preciso esperar até este verão, após o fiasco previsto das conversações patrocinadas pela Rússia, pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido e a França, para começar a entregar armas aos rebeldes.
No campo das batalhas diplomáticas, o Hezbollah sofreu já uma pesada derrota e será, muito provavelmente, incluído na lista europeia das organizações terroristas. O atentado de Burgas que atingiu turistas israelitas, se bem que perpetrado em território da UE não era aparentemente razão bastante para o fazer. Foi o apoio militar ao regime sírio, condenado pela União Europeia que fez desequilibrar a balança.
Os aliados democráticos do “Sunnintern” na Síria, têm, no entanto, algumas dificuldades. Se os comunistas eram a principal força militar da república espanhola, a secção local da AlQaeda, aliada do Iraque, começa agora a sê-lo na Síria. Na década de 1930, o anticomunismo determinou a posição da França e da Grã-Bretanha que não apoiaram a república contra os fascistas. Quando, alguns anos depois, os dois países, foram por sua vez vítimas de agressão fascista, esta decisão foi considerada catastrófica. Mas hoje o Ocidente não está ameaçado pela guerra com o mundo Xiita, mas pelo extremismo sunita que combate há vários anos no Afeganistão, no Iraque e nas ruas das nossas cidades.
A cada massacre, os argumentos a favor do derrube de Assad tornam-se mais convincentes, mas o mesmo não se passa com os argumentos a favor do apoio aos seus adversários. Entretanto não fazer nada é cada vez menos defensável. A Síria é, de facto, a Espanha dos nossos dias.

Guerra na Síria

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O regime utilizou mesmo armas químicas

"Não podemos continuar a dizer que não sabíamos", adverte Le Monde, no seu editorial de 5 de junho, depois de as autoridades francesas terem confirmado que "foram efetivamente utilizadas armas químicas na Síria".
"Nos ataques contra a oposição armada e a população em que esta se apoia, o regime de Bashar Al-Assad recorreu a gases tóxicos que continham sarin, uma substância com fortes efeitos neurotóxicos", relata este diário francês, que, em 27 de maio, publicou uma investigação sobre o assunto.
Depois da França, o Reino Unido declarou dispor também de provas nesse sentido. Em contrapartida, nos Estados Unidos, "continua a imperar a prudência". "Será uma viragem?", interroga-se Le Monde, que acrescenta:

Ao mesmo tempo que declara que 'todas as opções estão em cima da mesa', a França envia o dossiê para uma comissão de inquérito da ONU, cuja capacidade de realizar bem o seu trabalho está fortemente comprometida. A prioridade é, claramente, preservar a opção diplomática […]. A Administração Obama age tendo em mente, como exemplo absoluto do que não se deve fazer, a guerra do Iraque, desencadeada sem o aval da ONU e com base em alegações falsas sobre armas de destruição maciça. Mas, no caso das armas químicas na Síria, podemos continuar a dizer que não sabíamos.

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