A lua-de-mel de Cameron e Merkel

Conforme mostra a visita recente particular do primeiro-ministro britânico à chanceler alemã, um número crescente de alemães apoia a posição dura de David Cameron em relação à UE. A alguns meses das eleições de setembro, na Alemanha, Angela Merkel parece bastante tentada a alinhar com as ideias do Reino Unido sobre o mercado aberto, em vez de com as da protecionista França.

Publicado em 15 Abril 2013 às 15:55

Angela e David – o romance entre os dois deve ser o mais apelativo da história política recente. Há sete anos, os dois andavam às turras, porque o novo líder eleito dos conservadores [britânicos] ordenara aos deputados europeus do seu partido que abandonassem o Grupo do Partido Popular Europeu, que agrega todos os conservadores bem-pensantes, incluindo os democratas cristãos da Sra. Merkel, e se juntassem a um novo grupo de centro-direita criado pelo próprio Cameron.

Quem os visse agora… Durante o fim de semana, celebraram juntos o despertar da primavera, acompanhados por Samantha, Joachim e os filhos de Cameron, para compor o cenário. Que grande mudança. Até então, o primeiro-ministro nunca levara consigo toda a família, numa viagem ao estrangeiro com tanto conteúdo político, nem nunca a Sra. Merkel mostrara tanta proximidade com qualquer outro convidado, estrangeiro ou alemão, na residência oficial do Governo alemão em Schloss Meseberg [onde Cameron e Merkel passaram o fim de semana].

É certo que dizer-se que as nações não têm amigos, só têm interesses, pode ser uma máxima da filosofia política. Mas, em tempos ensombrados pela crise, não há dúvida que ajuda se os protagonistas conseguirem adicionar a amizade à ligação, reforçando assim os objetivos comuns.

Cameron e Merkel em sintonia

Aqueles que escrevem os grandes títulos dos jornais ignoram aquilo que une as pessoas e preferem os efeitos dramáticos da inimizade e da rutura. Foi o que aconteceu em relação ao discurso de janeiro sobre a UE, no qual Cameron defendeu o regresso de poderes ao âmbito nacional. Mas pouca atenção foi dada ao que a chanceler alemã dizia em Davos, na mesma semana. A Sra. Merkel também falou da necessidade de a UE se empenhar na reforma, para melhorar a competitividade e inverter o profundo distanciamento que os europeus sentem relativamente à “união”, uma das designações mais incorretas de todos os tempos.

Newsletter em português

Cameron e a Sra. Merkel estão em sintonia quanto a essas questões. E até na questão polémica das “competências” que o Reino Unido quer repatriar de Bruxelas, o fosso entre os dois dirigentes está a diminuir. Na Alemanha, a cacofonia de insultos que acolheu o discurso de Cameron está a ser substituída pelo murmúrio de mudanças de opinião, que fazem parecer inapropriado o argumento do isolamento britânico na Europa.

No fim da semana passada, perguntaram ao vice-presidente do grupo parlamentar do partido da Sra. Merkel, Michael Meister, o que pensava o Governo alemão acerca da tão criticada “revisão de competências” defendida por Cameron – cujo resultado será definido no referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na UE, que o primeiro-ministro prometeu realizar em 2017.

“Precisamos de compromissos”, confessou Meister. “Estamos abertos ao debate.” Significativamente, Meister admitiu que “estão em curso discussões exaustivas” sobre as ideias do primeiro-ministro. Foi precisamente essa a razão do encontro em Meseberg.

Química reforçada por convicção estratégica

Ainda é demasiado cedo para se dizer se serão necessárias alterações aos atuais tratados da UE, a que a Sra. Merkel e os que apoiam se opõem em absoluto. O mais importante é que, graças à franqueza da linguagem de Cameron, o combate ao há muito reconhecido “défice democrático” que ameaça destruir o projeto europeu assumiu uma nova premência. Estabelecer calendários também ajuda, mesmo que David Cameron possa estar politicamente morto em 2017.

Sem dúvida que a Sra. Merkel não deseja ver o seu novo amigo britânico cair na mortífera armadilha europeia. A química entre os dois é fortemente reforçada pela sua convicção estratégica de que, para a UE, perder o Reino Unido mas ganhar a Croácia, a Bulgária ou a Roménia é uma inversão da lógica e do bom senso.

Contudo, os seus cálculos têm igualmente uma vertente interna. Se a chanceler quiser manter a sua atual popularidade até às eleições nacionais de setembro, aproximar-se de Cameron e das suas ideias sobre abertura dos mercados e responsabilidade democrática, e não do estatismo e dos instintos protecionistas dos franceses, é uma boa política.

Na Alemanha, há um exército secreto de seguidores de Cameron, que aplaudem a sua abordagem direta da questão da UE, que os seus próprios políticos raramente ousam utilizar. A insatisfação com o ónus que os acordos de resgate dos países da zona euro em dificuldades colocaram sobre os contribuintes alemães causou algumas divisões políticas explosivas. A Sra. Merkel não tem o mínimo desejo de fomentar animosidades ainda maiores, envolvendo-se numa luta com um primeiro-ministro que é mais popular na Alemanha do que dão a entender os responsáveis pelos títulos dos jornais.

“Agi como um ditador”

Há bem pouco tempo, os alemães foram relembrados do modo como um chanceler todo-poderoso, Helmut Kohl, os intimidou para os levar a aceitar o euro. “Agi como um ditador”, admitiu cinicamente Kohl, numa entrevista de 2002, que só foi divulgada na semana passada. Os opositores [à moeda única], que, no final dos anos de 1990, Kohl rotulou de “inimigos do Estado” virtuais, formaram agora um novo partido, Alternativa para a Alemanha, para impulsionar um debate tardio sobre o que poderia significar para o futuro do país o regresso do marco.

Para poder participar nas eleições nacionais, o novo partido tem de reunir pelo menos duas mil assinaturas em cada um dos 16 estados federais da Alemanha. Segundo uma sondagem recente, cerca de 25% dos eleitores disseram que talvez votassem no Alternativa, em setembro. Mas, até agora, apenas se inscreveram de facto cinco mil.

É “o medo de algo depois da morte / Esse país desconhecido de cujos campos / Nenhum viajante retornou” que baralha a vontade dos céticos eleitores da Alemanha, quando pensam na vida depois do fim do euro. Ao mesmo tempo, desconfiam profundamente dos políticos, ao lembrarem-se do modo como Kohl os coagiu a desistir do marco.

Em contrapartida, David Cameron, que é direto e tem modos francos, é um dirigente com quem os alemães e Angela Merkel estão plenamente de acordo. Que esse romance resista aos ataques e flechadas destes tempos terríveis.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico