© Thorsten Henn

A melancolia dos vikings

Em 6 de Março, os islandeses deverão pronunciar-se em referendo sobre o pagamento da dívida do país. Atingidos em cheio pela derrocada dos seus bancos, viram descer bruscamente o seu nível de vida e, agora, sentem-se tentados a virar as costas à Europa e a procurar a salvação económica nos ofícios tradicionais.

Publicado em 5 Março 2010 às 14:46
© Thorsten Henn

Não é ao percorrer as ruas de Reiquiavique que se vêem sinais de desespero extremo. Seja Verão ou Inverno, os sem-abrigo islandeses nunca dormem na rua: há centros de acolhimento para homens, para mulheres e também para casais. Entre aqueles que estão prestes a perder os seus apartamentos – porque as hipotecas, indexadas a moedas estrangeiras, duplicaram, ao mesmo tempo que os rendimentos estagnavam – as dificuldades ainda não são visíveis: os bancos receberam ordens para transformarem os proprietários incumpridores em locatários das respectivas habitações. Assim, as crianças podem continuar na escola do bairro e evita-se uma vaga de pânico sobre o imobiliário, o que faria baixar ainda mais os preços. No entanto, a crise é bem real – nas bolsas, nos projectos de futuro que são abandonados, na cabeça das pessoas.

O descalabro financeiro atingiu duramente a Islândia, que se considerava como um oásis inexpugnável de prosperidade. No Outono de 2008, os três maiores bancos do país faliram. A coroa caiu a pique e o Governo teve de pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e aos seus vizinhos europeus. A economia sofreu um recuo de 8%, em 2009.

População em permanente movimento

A Islândia é um país jovem, onde as mudanças são rápidas. A população tem uma grande capacidade de reacção. A vida de um habitante contém, em muitos casos, três ou quatro. O fenómeno é tão frequente que os sociólogos têm dificuldade em elaborar estatísticas. Definir o perfil dos pescadores, por exemplo, é impossível, porque estes raramente o são durante toda a vida. Um homem pode ser pescador e depois outra coisa, ou ser outra coisa e depois pescador.

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Aos 58 anos, Halldor Arnason, pescador há 40 anos, procura diversificar. É um apaixonado pela história da presença de pescadores franceses no seu fiorde, o Patreksfjördur, no começo do século XX. No Verão de 2009, o seu barco avariou. Dois anos antes, tê-lo-ia mandado arranjar na Inglaterra ou na Polónia mas, com a crise, sai mais barato repará-lo ali mesmo. Nessa como noutras áreas, a Islândia relocaliza.

A desvalorização da coroa faz subir o preço do peixe na moeda local e uma mina submarina de coral (utilizado no tratamento de águas residuais) está a contratar pessoas nos fiordes vizinhos. Um viveiro de mexilhões, ainda experimental, aposta na proibição da pesca na Europa, durante o Verão. Os polacos, que são muitos a trabalhar no tratamento do peixe, integram-se na vida local, passa a haver compradores para as casas vazias – é a vingança das zonas rurais em declínio contra a cidade.

Ricos arruinados sentem-se vencidos

A capital e os seus subúrbios mergulham todos os dias num desânimo febril. Numa paisagem económica devastada, na qual apenas 11% das empresas podem dispensar o apoio voluntarista dos bancos nacionalizados, cada um tenta adaptar-se. Há mesmo quem inverta a situação. Os ricos arruinados, ou em vias de chegarem à ruína, ostentam expressões de “losers” [derrotados] enquanto que os vencidos do grande jogo social, aqueles que tinham perdido tudo antes da crise, se sentem em pé de igualdade e ostentam um ar animado, neste período de depressão de Inverno.

Há quem se preocupe com o desemprego crescente e quem leve a preocupação ainda mais longe, até ao momento em que será preciso pagar aos ingleses e aos holandeses os biliões das dívidas do banco em linha Icesave. O Estado islandês teve a infelicidade de garantir os depósitos. Já por duas vezes, o Governo assinou um acordo sobre aquele banco falido com os participantes na operação de salvamento financeiro. E, por duas vezes, o acordo foi invalidado: a primeira pelo Parlamento (Althing), a segunda pelo Presidente, Olafur Ragnar Grimsson, que propôs que o assunto fosse submetido a um referendo, previsto para 6 de Março. Todos os partidos fingem querer o referendo mas, na verdade, estão bastante receosos.

Será preciso pagar a dívida

Apesar dos meses de debates parlamentares e da propaganda dos meios de comunicação, uma sondagem revela que os islandeses confessam não perceber muito bem a questão. Os nacionalistas e os populistas, que encontram na recusa da Europa a ilusão de uma dignidade recuperada, são os únicos a beneficiar da situação. Mas, quer o referendo se realize ou não e seja qual for a escolha dos eleitores vai acabar por ser preciso pagar essa dívida, no todo ou em parte.

Quando se sai de Reiquiavique, a Natureza islandesa, que já passou por muito, ignora sobranceiramente os reveses financeiros do país. Só o preço dos combustíveis, que disparou, faz recordar a crise. Em Hveragerdi e, mais adiante, em Selfoss, centenas de veículos 4 x 4 em segunda mão, por vender e invendáveis, esperam um improvável cliente. Quem quiser sair do país de carro ou de barco tem de liquidar primeiro o crédito do seu veículo. Alguns preferem simplesmente abandoná-lo.

Stefán Jónsson vive perto de Flúdir. Gere, com o filho, uma exploração de 600 hectares. Tem uma confiança inabalável no futuro do seu país. Tal como os pescadores, é contra a entrada na União Europeia, que marcaria o fim do apoio directo à agricultura. Mas sabe que está em melhor situação do que os que vivem na cidade, em especial os que trabalham na construção. O assentador de mosaicos Johann está desempregado, o pintor de construção Hilmar abandonou a profissão, o jardineiro Fridrik já não tem clientes.

A Islândia espera. Espera que a antiga magistrada Eva Joly venha em seu auxílio e descubra o dinheiro escondido em paraísos fiscais. E espera qualquer coisa ainda melhor: um cliente para a sua energia barata, um novo empréstimo do FMI, um raio de luz. Só tem a certeza de uma coisa: os dias estão a ficar mais compridos.

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