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Residente lituana junto à cerca de arame que separa a aldeia de Pitskuny, dividida entre a Lituânia e a Bielorrússia, 2008.

A nova Cortina de Ferro

Na época soviética, a Lituânia e a Bielorrússia faziam parte da URSS e muitas aldeias amontoavam-se em cima de uma fronteira que só existia no papel. Hoje, ir ao outro lado tornou-se um pesadelo.

Publicado em 25 Outubro 2012 às 15:09
Residente lituana junto à cerca de arame que separa a aldeia de Pitskuny, dividida entre a Lituânia e a Bielorrússia, 2008.

Há vinte anos, a Lituânia e a Bielorrússia pertenciam à União Soviética. Os dois vizinhos estavam separados apenas formalmente, por uma linha traçada num mapa. Hoje, uma cerca marca a fronteira, uma espécie de nova cortina de ferro erigida após a queda do comunismo. Enquanto a Lituânia se tornou membro da NATO, da União Europeia e pertence ao espaço Schengen, o regime autocrático de Alexander Lukachenko reina na Bielorrússia.

Essa cerca de arame, encimada por rolos de arame farpado, não divide unicamente os dois países, mas também uma aldeia. A parte lituana de um lado, conhecida pelo seu restaurado castelo do século XVI e pelo seu festival de música Be2gether, chama-se Norviliskes; a parte bielorrussa do outro, Piackunai. Algumas famílias ficaram separadas, outras estão longe dos seus vizinhos de sempre, da igreja, do cemitério.

“A minha tia mora do outro lado da fronteira. Falamos através da cerca. Nem lituanos nem bielorrussos o proíbem. Só precisamos da ajuda dos vizinhos para combinar a hora”, conta Stanislaw Alencenowiczius, cuja casa marca o fim do território lituano. A fronteira passa exatamente no meio do seu campo de batatas.

Apesar de as duas aldeias distarem apenas alguns passos uma da outra, do outro lado da fronteira entramos num outro mundo. A noroeste do terreno de Stanislaw Alencenowoczius, distingue-se entre as árvores o branco castelo de Norviliskes. A Leste, há apenas casebres de madeira abandonados, alinhados atrás da cerca de arame.

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“Por que hei de desrespeitar a lei?”

Outrora, este homem nascido na Lituânia, costumava receber a visita dos seus parentes da Bielorrússia e ele próprio ia visitá-los frequentemente. Hoje, para ir a casa da tia, com quem pode conversar em voz alta, tem de fazer 40 quilómetros até à cidade de Salcininkai para conseguir um visto no centro cultural bielorrusso, antes de se dirigir ao posto fronteiriço. A estrada que passa em frente da casa de Stanislaw Alencenowiczius acaba numa porta fechada a chave. A alguns passos da fronteira, do lado lituano, não há sinais de vida na guarita de metal verde.

Do outro lado, não há um único bielorrusso em funções. Mas não nos deixemos enganar: é proibido atirar objetos de um lado para o outro da fronteira ou tentar passar por cima da cerca. Mal começámos a caminhar ao longo do muro, apareceu um miniautocarro verde escuro sem qualquer identificação. Parou durante alguns minutos e depois foi-se embora tão discretamente como tinha chegado.

Em Norviliskes, a fronteira separou Leokadija Gordiewicz do marido e das duas irmãs. Uma, mora em Piackunai, apenas a 500 metros dali. A sua colega de escola também ali se instalou, mas é impossível manter aquela relação. As mulheres nem sequer se comunicam através da vedação. “Por que hei de desrespeitar a lei?”

Casada na época soviética, primeiro, viveu com o marido na Lituânia. Depois, ele arranjou trabalho na Bielorrússia, conseguiu um passaporte bielorrusso e decidiu ficar do outro lado da fronteira, em Asmena. A nossa interlocutora nunca visita os seus parentes. Uma viagem até Salcininkai e um visto anual custam 600 litas [174 euros]. Ela não pode dispor desse dinheiro.

“Aqui começa a Europa”

Quando se lhe pergunta quando foi a última vez que esteve com o marido, Leokadija Gordiewicz põe-se a fazer contas de cabeça. Já foi há uns anos, mas ela não se lembra exatamente há quanto. “Gostava de me divorciar, mas é muito caro”, diz a rir. Encara todas as perguntas com humor, mas dificilmente esconde o sofrimento com que responde, quer seja por causa desta vida separada quer por causa das suas dificuldades financeiras.

A meio da conversa, um miniautocarro passa a caminho do castelo de Norviliskes. Segundo Leokadija Gordiewicz, ao fim de semana, não faltam visitantes. “Os carros são tão bonitos. No entanto, toda a gente diz que vivemos mal. Mas de onde veem eles? Da Bielorrússia.” Ela não tem dúvidas, aqueles carros são comprados graças ao dinheiro ganho vendendo cigarros e gasolina mais baratos [vindos de contrabando da Bielorrússia].

Numa outra aldeia, Sakaline, igualmente dividida, a visão é a mesma. As casas lituanas estão pintadas de cores diferentes, nos jardins, os canteiros de flores estão bem tratados, as hortas cuidadas e os ramos das macieiras vergam sob o peso dos frutos. Do outro lado da fronteira todas as casas estão abandonadas. Mas, perto da guarita verde do posto fronteiriço, encontramos um todo-o-terreno e um guarda fronteiriço de serviço. Aqui, é preciso vigiar, caso contrário, voam os pacotes de cigarros.

“Aqui começa a Europa”, afirma orgulhosamente Ceslava Marcinkevic, chefe do cantão de Dieveniskes, a pequena cidade deste pedaço de terra lituana na Bielorrússia, a uma hora de carro de Vilnius, na Lituânia. “Mas também acaba aqui, porque, a toda a volta, há apenas uma cerca de arame que separa Estados e famílias. As pessoas não se podem visitar umas às outras. As possibilidades existem, mas custam tempo e dinheiro.” Este pequeno território, o enclave de Dievenikes, estende-se ao longo de cerca de 30 quilómetros dentro de território bielorrusso.

O cachimbo de Estaline

Em 1939, quando as fronteiras da Lituânia foram redesenhadas no Kremlin depois do território de Vilnius ter sido devolvido à Lituânia, o cachimbo de Estaline estava pousado em cima do mapa, ninguém se atreveu a desviá-lo, contornaram-no. É esta a lenda que os habitantes daquelas terras gostam de contar com um sorriso dissimulado.

A história verdadeira não é assim tão trepidante. Em cem anos o traçado da fronteira mudou, pelo menos, cinco vezes. Os habitantes mais velhos da região divertem-se a contar que, sem terem de mudar de casa, conseguiram viver em três Estados diferentes, a Polónia, a União Soviética e, depois, a Lituânia ou a Bielorrússia. O território de Vilnius pertenceu à Polónia durante quase todo o período entre as duas guerras. O exército vermelho ocupou-o em 1939, mas a fronteira só foi traçada em 1940, quando a URSS já era dona e senhora da Lituânia.

Quando os dois países reconquistaram a independência, a fronteira interna tornou-se o limite entre os dois Estados e visitar os vizinhos era possível sem muitas restrições. Os bielorrussos podiam ir à Lituânia rezar e entregarem-se ao recolhimento, no cemitério, junto dos túmulos dos seus parentes próximos.

Mas com a adesão da Lituânia à União Europeia, a fronteira com a Bielorrússia, que se estende por 677 quilómetros, tornou-se a fronteira externa da União Europeia e, a seguir, a fronteira do espaço Schengen, daí a necessidade de a vigiar ainda mais contra o contrabando e a imigração ilegal. O visto que antes custava cinco euros custa agora 60. Para entrarem na Lituânia, os bielorrussos que vivem ali mesmo ao lado da fronteira têm de ir ao consulado de Grodno, a mais de 100 quilómetros, entrarem na fila, voltarem mais uma vez para irem levantar o visto, passar a fronteira e, finalmente, chegarem a Norviliskes, que é mesmo ali, do outro lado. Ir visitar a família que vive a umas centenas de metros é mais complicado do que ir passar o fim de semana a Londres ou a Paris.

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