A opacidade das agências europeias

Opacas, gastadoras, propensas a conflitos de interesses: a independência das cerca de vinte agências especializadas da UE levanta problemas, tanto em termos financeiros como de controlo democrático, denuncia Die Presse.

Publicado em 30 Março 2012 às 10:17

São precisamente 6157 euros: é quanto custa uma reunião do Conselho de Administração da AESA, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos. Por pessoa. Não se sabe se os quinze membros do conselho foram levados até Parma [sede da AESA] em liteiras, nem se comeram ovos de codorniz escalfados enquanto percorriam a ordem de trabalhos.

O que se sabe, de fonte segura – graças à incansável Monica Macovei, deputada europeia romena especializada na luta contra a corrupção –, é a conceção que essas pessoas têm da sua função. Só em 2010, a AESA gastou 49 milhões de euros em contratos externos "de comunicação e gestão".

Governos europeus são os maiores responsáveis

Não é a única anomalia constatada em agências europeias, que hoje totalizam 24. Nella Frewen, lobista durante vários anos do fabricante norte-americano de sementes Monsanto, em Bruxelas, e hoje responsável pelo lóbi da indústria agroalimentar, está, por sua vez, prestes a integrar o conselho de administração da AESA.

Já o antigo responsável pela Agência Europeia de Medicamentos, sedeada em Londres, Thomas Lonngren, aceitou com a maior naturalidade, ou quase, entrar para a indústria farmacêutica, no início deste ano.

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As próprias organizações não-governamentais (ONG) também já não sabem distinguir entre o que é aceitável e o que não é: a diretora da Agência Europeia do Ambiente em Copenhaga deslocou-se durante o seu horário de trabalho às Antilhas, com um punhado de colaboradores. Para estudarem a biodiversidade. Em prol da organização de proteção ambiental "Earth Watch" – mas a expensas do contribuinte. A "Earth Watch" apresentou uma fatura de dois mil euros pela viagem de cada participante. Isto não aparenta ser um subsídio encapotado. É mesmo.

Como são possíveis tais ocorrências? É muito simples: ninguém assume responsabilidades. Quando se pergunta à Comissão Europeia o que tenciona fazer para remediar os disfuncionamentos dessas agências, obtém-se invariavelmente a mesma resposta: estamos de mãos atadas, o regulamento interno das agências não permite qualquer direito de ingerência, e já há muitos anos que sugerimos uma reforma do processo de controlo.

Os governos europeus são manifestamente os maiores responsáveis por esta situação. Há muitos anos que a criação de agências é objeto de uma competição indecorosa entre os países-membros.

Cada um quer ter pelo menos uma. Surpreendentemente, quando se dá um dos costumeiros bloqueios numa cimeira europeia, o facto de propor a abertura de um novo organismo produz logo milagres e permite atingir consensos sobre outras matérias.

Até os políticos austríacos, que tanto gostam de dizer mal dos "funcionários de Bruxelas", se apressam a dar o seu acordo. Quando a Agência dos Direitos Fundamentais surgiu em Viena, em 1 de março de 2007, os membros do Governo rivalizaram em entusiasmo nas suas declarações, apesar de ser preciso lê-las duas vezes para ter certeza de que não era uma paródia.

Fechar as agências supérfluas

A ministra dos Negócios Estrangeiros, Ursula Plassnik, chegou ao ponto de declarar que a criação da Agência dos Direitos Fundamentais ia "reforçar ainda mais a posição de Viena como sede de organizações internacionais de primeira linha”. O chanceler federal Alfred Gusenbauer falou de um "sinal enviado pela UE aos homens e mulheres”.

Diga-se de passagem que a referida Agência foi confrontada com uma única onda de agitação em cinco anos, quando Viviane Reding, comissária para os Direitos Humanos, se indignou com o projeto de transposição para verso da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

O deputado europeu Martin Ehrenhauser tem razão: era preciso fechar a agência de Viena e não colocar nada no seu lugar. Especialmente porque duplica – e a preços muito altos – o Conselho da Europa.

Ironicamente, a partir de 1 de abril, os europeus podem lançar uma iniciativa cidadã, se forem mais de um milhão. Mais democracia, mais participação, mais transparência, nas palavras do momento.

Entretanto, as autorizações relativas aos nossos medicamentos e a avaliação de riscos decorrentes de alimentos que consumimos são dadas na sombra, aproveitando uma lacuna legal.

A situação é inaceitável. Os governos deviam aproveitar as negociações do quadro financeiro da UE para 2014-2020 para fechar as agências supérfluas e reforçar a supervisão das restantes. Caso contrário, essas agências-sombra poderão, em breve, ganhar asas e não haver recuo possível.

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