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No matadouro de Danish Crown, em Essen-Oldenburg (Baixa-Saxónia).

A prosperidade a baixo custo

Na Baixa-Saxónia, no “pneu de gordura” alemão, as condições de trabalho dos operários da indústria da carne ilustram o reverso da medalha do sucesso do país. No centro do debate está a instauração de um salário mínimo: a velha reivindicação dos social-democratas é atualmente invocada pelo partido de Angela Merkel.

Publicado em 18 Setembro 2013 às 12:44
Danish Crown  | No matadouro de Danish Crown, em Essen-Oldenburg (Baixa-Saxónia).

As razões que levaram Stefan Petrut a deixar a Roménia para ir trabalhar para a Alemanha são simples. “Dinheiro.” Aquele homem grande, com cara de boa pessoa, que de modo algum deixa transparecer os seus trinta anos de trabalho nos matadouros a cortar carne, não se esconde. Tinha muita falta de dinheiro em Buzau, a sua cidade natal, a 100 quilómetros de Bucareste.

Assim, em 2008, o seu amigo Nicolaï falou-lhe desse trabalho de cortador de carne na Baixa-Saxónia, em Essen-Oldenburg, em que se ganhava 1600 euros por mês. “Disse-lhe logo que sim. Já estou a caminho.” Uns dias depois, Stefan, na época com 46 anos, deixou para trás uma filha já crescida mas levou a mulher, Luminata, costureira. Ela deixou os seus trabalhos de agulha para se converter em esquartejadora de animais. Das quatro da tarde às duas da manhã, incluindo as pausas. Era bom de mais.

No início correu tudo bem. A não ser o pequeno apartamento num edifício de tijolo, em Quakenbrück, a dez quilómetros do matadouro, que Stefan e Luminata tinham de partilhar com dois outros casais. Uma única casa de banho para os seis. Tudo por 175 euros por pessoa, por mês, pagos “ao patrão”. A mesma pessoa que dirigia o matadouro.

Exploração

Mas ao fim de uns meses, o funcionamento da empresa mudou. Acabou-se o ordenado fixo e, agora, Stefan e a mulher passam a ser pagos à peça: 1,31 cêntimos (0,0131 euro) por cada porco cortado por Stefan, 0,98 cêntimos pela mulher. Corpulento e exercitado, Stefan consegue desmanchar 700 animais por hora, ou seja, ganhar um pouco mais de nove euros à hora. Mas Luminata não tem esse ritmo. Pior, alguns dias depois, deixa de haver porcos. A empresa Danish Crown, uma grande indústria de carne que comprava os animais no matadouro de Stefan, quer trocar esse seu subcontratado por outro, mais barato.

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“Sem porcos não havia dinheiro”, resume Stefan num francês aprendido na escola. Ele e a mulher passam, então, a viver com 500 euros mensais. E depois, nem isso. O matadouro faliu. [[Foram ambos despedidos sem sequer receberem os cinco mil e tal euros que ainda lhes deviam]].

Na Baixa-Saxónia, o caso destes romenos é apenas um exemplo, entre muitos outros, de mão-de-obra estrangeira que pouco conhece dos seus direitos e que quase sempre é deliberadamente mantida na ignorância. Desde há um ano que a imprensa local faz eco das histórias mais ou menos sórdidas que se passam no “pneu de gordura” da Alemanha, campeã europeia de exportação de carne.

Ao longo dos anos, as nacionalidades “convidadas” mudam mas o cenário mantém-se. Um salário de miséria que por vezes não ultrapassa os dois ou três euros por hora e condições de alojamento indecentes. “Há umas semanas, fui alertado por um espanhol que trabalha num matadouro de aves e que não recebe salário. Descobri que ele e outros 70 espanhóis viviam nos 180 metros quadrados de um restaurante que tinha fechado”, conta Matthias Brümmer, responsável regional do sindicato da indústria alimentar NGG.

Íman para as multinacionais de carne

“Ainda não vi gregos por aqui. Mas a indústria procura e encontra sempre o que quer onde a miséria é maior”, diz ele, revoltado. “[[Esses industriais gabam-se de tratar corretamente os animais, mas tratam os seus empregados como bestas]]!”

Na outra margem do Reno, não é imposto qualquer salário mínimo à indústria de carne. Além disso, sob o Governo de Gerhard Schröder (SPD) foi introduzida uma cláusula que permite ao empregador alemão “alugar” mão-de-obra a uma empresa estrangeira, romena ou búlgara, por exemplo. Nesse quadro, os empregados ficam submetidos ao direito de trabalho do seu país de origem, frequentemente menos favorável. Ao permitir aos industriais o recurso a uma mão-de-obra barata, a Baixa-Saxónia tornou-se um íman para as multinacionais de carne. Empresas como a Danish Crown, mas também a holandesa Vion estão ali representadas, a par das alemãs Tonnies, Westfleisch, entre outras.

Resultado, nesta região agrícola, o desemprego é um pouco mais alto (6,5% em agosto, segundo a agência para o emprego) e, apesar do automatismo da profissão, a indústria ainda emprega 142 mil pessoas e mais de 200 mil, se se contarem os trabalhadores “alugados”, garante Brummer. “Atualmente, se a Alemanha parasse de produzir carne, haveria fome na Europa!”, brinca.

Para ele, tal como para muitos alemães, este resultado não representa sucesso. “Tenho vergonha. Quando vou ao estrangeiro e me fazem perguntas sobre este assunto, sinto-me incapaz de dar uma justificação”, afirma Alexander Herzog-Stein, especialista em mercado de trabalho no instituto IMK, próximo dos sindicatos.

E depois, a seguir à carne virá o combate pelos empregados da hotelaria, da restauração e pelos funcionários dos cabeleireiros, cujos salários, dizem-nos, não ultrapassam os dois ou três euros à hora…

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