Nas ruínas do palácio Darulaman, em Cabul, Janeiro 2010 (AFP)

A quadratura do círculo

Um dia depois da conferência internacional sobre o Afeganistão, é necessário rendermo-nos à evidência: os objectivos que os ocidentais fixaram para o país são incompatíveis e uma parte do poder acabará por ter de ser dada aos talibãs.

Publicado em 29 Janeiro 2010 às 16:44
Nas ruínas do palácio Darulaman, em Cabul, Janeiro 2010 (AFP)

Todos falam do Afeganistão – mas cada um pensa nos seus interesses. Na Alemanha, a guerra do Hindu Kush é apenas um pretexto para querelas políticas. Os representantes da Igreja intrometem-se num debate com que se preocuparam pouco nos últimos oito anos. Por seu lado, os partidários da NATO constatam que a credibilidade da Aliança está muito abalada. Politicamente, a chanceler pisa um terreno muito instável: o seu ministro da Defesa foi apanhado em mentiras piedosas acerca do mortífero atentado de Kunduz.

Tudo isto tem pouco a ver com o Afeganistão e os afegãos – o que é triste, tendo em conta as inúmeras ossadas que jazem no Hindu Kuch desde 1979 [data da invasão soviética]. Mas há outra razão pela qual é necessário centrarmo-nos no essencial: a comunidade ocidental, e os alemães com ela, estão enterrados até ao pescoço no atoleiro afegão.

A questão está em perceber que objectivos são realizáveis e quais não são de todo viáveis. O quadrado mágico afegão é o seguinte: pacificação e reconstrução do país; democracia, Estado de Direito e direitos das mulheres; desenvolvimento generalizado do país; e abandono de ambições geopolíticas por parte das potências estrangeiras que lá se confrontam há muitos anos. Estes quatro objectivos não podem ser atingidos simultaneamente. Nem tudo pode resultar e nem tudo resultará. Porque não é possível.

Sobre o primeiro objectivo, não haverá paz, reconstrução e reconciliação enquanto os tradicionalistas e fundamentalistas não tiverem voz activa. Em conjunto, representam a maioria da população.

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Isso implica – segundo objectivo – que a democracia e o novo Estado de Direito terão de fazer grandes concessões à concepção tradicional islâmica do Direito. As mulheres ficam de parte: com os tradicionalistas, a sua escolarização, inserção profissional e abandono da burqa terá de esperar; com os talibãs ainda mais.

Terceiro objectivo: o desenvolvimento generalizado do país. Este só pode ter lugar se os anciãos das aldeias e os extremistas entrarem no jogo: é impossível construir o que seja num lugar em que reina a lei das armas. Para construir seja o que for, é necessário fazer cedências – em detrimento do número crescente de afegãos "modernos".

Quarto objectivo: a ingerência de potências estrangeiras. Esta só cessará quando mais nenhum clã se considerar dependente de ajuda externa, sob forma de fornecimento de armas. A reconciliação e a participação de todos no poder – ver acima – é uma condição prévia.

A ilusão da "retirada a todo o preço"

Numa palavra, estes quatro objectivos são antagónicos. A única maneira de avançar é fazendo compromissos, aceitando a renúncia e fixando prioridades. Porque as guerras civis raramente terminam sem que um dos campos tenha conseguido uma posição de superioridade e tenha assegurado o poder real.

O argumento de que o Afeganistão voltará a cair na guerra civil assim que as forças internacionais retirem não colhe: a guerra civil nunca cessou. Daí que os que preconizam a "retirada a qualquer preço" se enganam tanto como os que esperam êxitos militares sobre os islamistas.

De uma maneira ou de outra, os talibãs acabarão por participar no poder. São os filhos de uma geração sacrificada. Que cresceu nos miseráveis campos de refugiados no Paquistão, sem praticamente outra visão senão a do Corão, aprendido de cor e "com paixão". Propor um programa de reintegração e empregos aos antigos talibãs é uma boa ideia no papel. Mas isso levará anos e não os convencerá a todos. Uma geração sacrificada nunca deixa de ser uma geração sacrificada. O Afeganistão tem necessidade de mais tempo do que o que lhe concedem as considerações políticas de uma Angela Merkel. É outra faceta da tragédia afegã.

Coligação

Um fardo cada vez mais pesado para os europeus

Após oito anos de guerra, as opiniões públicas europeias dão mostras de cansaço. Na Alemanha, o Governo prepara-se para pedir ao Parlamento autorização para a mobilização de mais 850 homens para o Afeganistão, numa altura em que, de acordo com as últimas sondagens, dois terços dos alemães desejam o regresso dos 4280 soldados enviados por Berlim. Em França, parte da oposição manifesta dúvidas sobre a justificação da intervenção naquele país e recusa o envio de reforços. A Holanda anunciou recentemente que pretende sair do Afeganistão em 2010. Mesmo a opinião pública britânica, que até agora alinhava com o seu Governo, começa a mostrar resistência. "Todos os países europeus nortearam a sua política no Afeganistão em função da relação que tinham com os Estados Unidos, em vez de o fazerem tendo em conta os seus interesses e meios", lamenta Nick Witney, ex-director da Agência Europeia de Defesa.

Um quebra-cabeças para os Estados-Unidos

À excepção das tropas britânicas, alemãs e francesas que representam o segundo, terceiro e quarto contingentes da coligação – com, respectivamente, 10 mil, 4280 e 3750 homens –, as participações dos pequenos países são por vezes tão simbólicas e tão heteróclitas (250 da Albânia, 50 sa Finlândia, dez da Bósnia-Herzegovina, etc.) que mais complicam a tarefa dos responsáveis de NATO. Até porque aumentam um problema de multiplicidade linguística, numa coligação formada por 43 países… E aumentam os "caveats", as restrições impostas por algumas capitais às suas forças armadas nos teatros de operações. Para as Forças Armadas norte-americanas, gerir certas participações europeias representa um quebra-cabeças. Mas é verdade que, na sua qualidade de líderes das operações militares no Afeganistão – onde têm perto de 100.000 homens, contra menos de 40.000 da totalidade dos europeus –, os norte-americanos procuram, na participação dos seus aliados, mais o símbolo político do que a eficácia militar.

Isabelle Lasserre, Le Figaro (Paris).

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