Maribor, 3 de dezembro. Confrontos entre a polícia e os manifestantes anticorrupção.

A revolta de um povo tranquilo

No início de dezembro, milhares de pessoas saíram às ruas de Maribor exigindo a expulsão do presidente da Câmara. O que motivou os habitantes desta cidade tão calma? A crise e o sentimento de impunidade das elites, explica um jornalista esloveno.

Publicado em 14 Dezembro 2012 às 12:52
Maribor, 3 de dezembro. Confrontos entre a polícia e os manifestantes anticorrupção.

Maribor sempre teve a fama de ser uma cidade onde não se passava nada. A taxa de abstenção nas eleições era sempre mais elevada aqui do noutros locais, os seus habitantes não se envolviam muito na vida social e política. Como é possível que, numa única semana, 20 mil pessoas tenham desfilado na Praça da Liberdade, empunhando cartazes contra o presidente da Câmara, atirando ovos, cadeiras e cocktails molotov contra a sede do município? O espanto ainda se mantém. Tanto mais que, como que numa espécie de febre generalizada, o resto do país desceu à rua em sinal de solidariedade com Maribor. É um facto sem precedentes, em vinte anos de independência. Até se fala da "insurreição de Maribor" como se fosse um acontecimento histórico. Quais são as suas causas?

A primeira é a decisão do presidente da Câmara de Maribor, Franc Kangler, de instalar radares fixos em todos os principais cruzamentos da cidade. Em poucos dias, estes registaram 70 mil infrações – outras tantas multas a pagar por uma população que sente já duramente os efeitos da crise económica. Além disso, os radares foram instalados em locais onde era mais fácil apanhar os automobilistas em falta, e não na proximidade de escolas, por exemplo. Mas não é tudo.

Privatização do Estado

Os radares foram concessionados a uma empresa privada. A maioria das multas (cerca de 93%) foram embolsadas por essa empresa, que tinha prometido renovar o sistema de semáforos. Deste modo, o presidente da Câmara conseguiu a missão impossível de privatizar o Estado. Os primeiros sinais de protesto não tardaram e começaram a aparecer radares incendiados em Maribor.

O caso da privatização dos radares foi apenas a última gota. Maribor mergulhou a fundo no sistema do capitalismo neoliberal. Desde 1997, foram privatizados, progressivamente, o sistema de saneamento e o sistema de distribuição de água, os transportes públicos, o teleférico, os funerais… Resultado: morrer em Maribor é duas vezes mais caro do que morrer em Liubliana!

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Recentemente, a Comissão Nacional de Luta contra a Corrupção revelou "abusos de poder" e "corrupção sistemática" em Maribor. A descoberta não surpreendeu os cidadãos. A Comissão viera só confirmar aquilo que estes já sabiam.

Mas os protestos espalharam-se como uma mancha de óleo em todo o país, porque os cidadãos não se insurgiam apenas contra Kangler e as suas maquinações. Em Liubliana, em Kranj, em Celje e em Trbovlje, as pessoas saíram à rua, de vela na mão, para protestar contra a corrupção, o clientelismo e os oligarcas locais. Receavam que toda a Eslovénia seguisse as pisadas de Maribor.

Condenados recusam demitir-se

Presentemente, os eslovenos invejam a Croácia, que condenou o seu antigo primeiro-ministro, Ivo Sanader, a uma pesada pena de prisão (dez anos na primeira instância) por corrupção.

Na Eslovénia, é tudo diferente. Se o primeiro-ministro, Janez Janša, acusado de corrupção desde há vários anos, se recusa a abandonar o cargo, porque haveriam os outros de o fazer? Vários presidentes de Câmara eslovenos foram já condenados por má gestão das finanças públicas, mas ignoram a Justiça. Alguns deputados, também condenados, recusam demitir-se.

A elite política eslovena não quer saber das decisões da Justiça e apresentam-nos como sendo parte de uma conspiração política. Os eslovenos já não suportam mais tal situação e a prova é aquilo que acaba de se passar no nosso país.

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