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A sátira alemã ou a “higiene política”

Quem disse que os alemães não sabem rir? Neste primeiro episódio da sua série sobre o humor, o Le Monde explora os Kabarett, esses templos da sátira política que se mantiveram, mesmo nos tempos da Alemanha de Leste.

Publicado em 20 Agosto 2012 às 14:39

Será missão impossível falar do humor alemão? O alemão é visto como alguém desprovido de sentido de humor, um cliché do qual não se consegue livrar e que já foi mencionado em obras literárias. Não foi o célebre jornalista e escritor alemão Kurt Tucholsky que, em 1919, escreveu: “Quando um alemão faz uma boa piada política, metade do país fica ofendido no seu sofá." Mas não se alarmem, existe mesmo um humor alemão. Se para os estrangeiros este humor parece mais difícil de entender, deve-se ao facto de ser… bem organizado.

O humor alemão tem o seu próprio templo: o Kabarett. Esta tradição, que viu o dia no início do século XX, tem apenas um ligeiro grau de parentesco com o cabaré francês, do qual herdou o nome. No Kabarett, não há mulheres despidas nem danças, mas uma cena de teatro sem grandes decorações, dedicada à sátira política. Durante o espetáculo, um ou vários atores atuam muitas vezes acompanhados por músicas.

Este difere dos espetáculos totalmente humorísticos porque aborda sempre assuntos políticos ou problemas da sociedade. Todas as grandes cidades dispõem de um ou vários teatros consagrados ao Kabarett, também muito presente na televisão.

Humor planeado

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Esta tradição é tão forte que sobreviveu às duas ditaduras alemãs do século XX. Muito popular nos anos 20, proibido no período nazi, o Kabarett reapareceu em força no pós-guerra e conseguiu a proeza de se manter sob o regime da Alemanha de Leste. “Não há outro exemplo de ditaduras que pagaram a atores para gozar com o regime”, explica Dirk Neldner, diretor do Distel (o cardo), o mais célebre Kabarett do este de Berlim. O seu primeiro espetáculo, em 1953, intitulava-se: “Hurra! O humor passou finalmente a ser planeado!

Apesar de a maioria dos autores criticar abertamente o regime comunista, estes continuavam a beneficiar dos subsídios do Estado. Porquê? A sátira está muito enraizada na cultura alemã, representando uma forma muito antiga de “higiene política”. Tal como no carnaval de Colónia, que há mais de duzentos anos vê desfilar, durante um dia, cortejos decorados para ridicularizar o clero e os políticos, o Kabarett é um local onde é possível exprimir-se e partilhar as críticas feitas às personalidades influentes.

“**Rir juntos**”

Dirk Neldner retira desta tradição uma característica do humor além-Reno, e considera que “os alemães precisam de sair para poder rir juntos”. Uma teoria que não é partilhada por Werner Doyé, o realizador de “Toll!” (“Fantástico!”), uma série de sátira política semanal transmitida no canal ZDF: “Em período de ditadura, era mais seguro rir no Kabarett, o que não quer dizer que as pessoas não faziam piadas uma vez em casa”, diz ele.

"O estereótipo do alemão sério deriva do facto de a cena humorística se ter confrontado durante muito tempo com o respeito da autoridade; na Alemanha, eram muitos os temas proibidos, contrariamente à Inglaterra, por exemplo. Hoje em dia já não é esse o caso." Prova disso? O que faz Angela Merkel à sua roupa velha? Anda com ela vestida.

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