A União está numa encruzilhada

Ao aceitar a reintrodução do controlo de fronteiras sob certas condições, tal como os ministros do Interior decidiram a 12 de maio, a UE curva-se perante a tendência ostentada por muitos Estados. Se os Vinte e Sete não invertem a marcha, a UE caminha para o fracasso.

Publicado em 13 Maio 2011 às 14:39

A máquina avariou. O projeto europeu afundou-se durante uma enorme crise. A União Europeia já nada tem de modernismo. O que hoje é novo é a marcha atrás e a nostalgia da serenidade nacional. Os partidos de direita já não são os únicos a fazerem campanha nesse sentido.

Para já, houve consenso, ou quase. E porque no momento exato em que esse sentimento se espalha, a Europa está a braços com problemas concretos, é a totalidade do projeto europeu que desaba. Ao anunciar o restabelecimento de controlo nas fronteiras, a Dinamarca mostra o caminho que, dentro em breve, poderá ser seguido por muitos outros Estados-membros.

Um desejo de desmantelamento

O desejo de desmantelamento está muito presente. São muitos os austríacos que gostavam de voltar ao xelim, uma moeda que a Grécia, Portugal e a Irlanda não podem pôr em perigo. São muitos os que sonham com o regresso do controlo nas fronteiras, para que as quadrilhas de assaltantes, os mendigos, os imigrantes clandestinos e os traficantes de droga deixem de poder entrar à vontade no país.

E concordam com a recusa de estudantes estrangeiros que vêm saturar as nossas universidades. Sem hesitar, concordariam com o estabelecimento de limitação ao tráfego de pessoas em trânsito para outros países. As sondagens mostram-nos, também, que a maioria dos austríacos é favorável à reintrodução de barreiras no mercado de trabalho nacional.

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Por outro lado, um grande número de empresas e de empregadores não se contentariam em aprovar, mas apoiariam energicamente o restabelecimento de obstáculos à importação de produtos que prejudicam a produção nacional. Tudo isto significa fazer marcha atrás.

E é isso mesmo que vai acontecer se nenhum líder europeu levantar a voz para se pronunciar claramente a favor do projeto comum da União. É isso que vai acontecer se os Vinte e Sete continuarem a fugir à sua responsabilidade comum. É isso que vai acontecer, também, se a população deixar de ver o valor acrescentado que a União Europeia representa – se deixar de ter a certeza de que tem qualquer coisa a ganhar com a liberalização do mercado interno, a abertura do mercado de trabalho, a moeda única.

Nas relações entre as pessoas – quer tais relações sejam públicas ou privadas – o pior é a fase de incerteza, durante a qual andamos a tatear. É nesta fase que a União Europeia está atualmente.

O risco de uma espiral de isolamento

A União pode escolher entre duas opções, ambas dolorosas. A primeira, é os Vinte e Sete comprometerem-se a resolver os problemas que o euro enfrenta atualmente, as desordens nos mercados financeiros e os desafios postos pelas vagas de refugiados do Norte de África.

Sobre todas estas questões, até agora, não ouvimos outra coisa senão declarações de intenção: não foi tomada nenhuma medida concreta, como a instauração de uma margem de segurança para os países endividados, a criação de uma supervisão financeira eficaz ou a introdução de uma política de imigração comum incluindo a criação de uma polícia de fronteiras eficaz.

É mal visto dizê-lo publicamente mas, para que a União possa levar a cabo estas medidas, vai ser preciso transferir algumas competências nacionais para as instituições comunitárias, ultrapassar os novos desafios democráticos e introduzir mudanças dolorosas para os Estados-membros.

A segunda opção será os Vinte e Sete assinarem o desmantelamento do seu edifício comum. Coisa que corresponde ao atual clima. No entanto, é preciso que todos tenhamos consciência do facto que uma marcha atrás não se limitará apenas às áreas em que a desejamos.

Podemos sobreviver à supressão da liberdade de circulação. A nossa adesão a um “grupo de países de moeda forte”, reunidos em volta da Alemanha, teria, pelo contrário, repercussões dolorosas nas nossas exportações e no nosso turismo. Mas, sobretudo, mais cedo ou mais tarde, o mercado único será posto em questão.

A partir do momento em que a União mostrar os primeiros sinais de dissolução, os construtores de automóveis e os agricultores franceses exigirão o estabelecimento de barreiras às importações para impedir a concorrência estrangeira e vão conseguir o que querem mal se aproxime um qualquer ato eleitoral. Motor do crescimento económico, o mercado único sofrerá gravemente com a saída do euro e o regresso do protecionismo.

Veremos aparecer uma espiral de nacionalismo, necessariamente alimentado pelas novas barreiras nas fronteiras e pelo isolamento. É mesmo isto que queremos?

Visto do Báltico

Não remendem Schengen

"Como sabemos, todas as leis podem ser deturpadas. Mesmo a legislação da UE", escreve Marek Magierowski no Rzeczpospolita, temendo que as exceções previstas ao princípio da livre circulação de pessoas signifique que a "nobre ideia deixe de ser um dogma da UE". Os autores das propostas de alteração dizem que os "limitados controlos de fronteiras" serão "temporários" e aplicados apenas em "situações excecionais". No entanto, observa o comentador do Rzeczpospolita, estas definições podem ser interpretadas de maneiras muito diferentes. Na Suécia, por exemplo, "temporário" pode significar duas semanas, enquanto que, em França, pode ser de 12 meses.

Se considerarmos o afluxo de imigrantes como uma ‘situação excecional’, que justifica uma restrição à liberdade de viajar, é preciso recordar que a situação não deixará de ser excecional no prazo de 30 dias. A imigração ilegal continuará a ser um problema enquanto a UE tiver fronteira com África. Ou seja, nos próximos biliões de anos.

No jornal estónio Postimees, a editorialista Iivi Anna Masso lamenta-se: "após décadas de esforços para promover a coesão e a liberdade, a Europa está agora a fechar as fronteiras, ao ponto de muitos se perguntarem se o processo de integração atingiu o limite”.

*Após os resultados das eleições gerais finlandesas, a opinião pública está cada vez mais dividida sobre a questão do apoio de emergência a Portugal – uma questão que terá grandes implicações para o futuro desenvolvimento da UE, a cooperação internacional e os valores de abertura.

Além disso, parece que uns ‘bárbaros’ estão a colocar problemas aos países nórdicos: “criminosos bálticos" levaram a polícia a exigir o restabelecimento dos controlos nas fronteiras com os Estados bálticos. (...)

Numa altura em que os nossos vizinhos da margem Sul do Mediterrâneo estão a arriscar a vida por uma sociedade mais livre e aberta, novos movimentos de protesto na Europa clamam pelo regresso a um mundo com mais barreiras.

Não há dúvida de que esse fecho se vai revelar uma ilusão. Resta-nos esperar que os movimentos que defendem o isolamento político permaneçam marginais. Em vez de fechar as fronteiras, devíamos empenhar-nos num debate sobre os procedimentos e condições que nos permitiriam desfrutar de uma vida melhor numa sociedade aberta.*

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