Espanha ganhou as eleições na Catalunha. Para dizer o mesmo de uma maneira mais ortodoxa e mais precisa, as eleições foram ganhas pelo status quo espanhol. Foram ganhas pela ordem vigente, por sua vez submersa numa desordem crescente. Custará entender isso, custará aceitá-lo, custará digeri-lo em amplos setores da sociedade “catalanista” [termo que designa os partidos catalães que apoiam um estatuto particular ou a independência da região], que continuam a constituir uma clara maioria social – uma maioria sentimental – mas a frieza da relação de forças ir-se-á impondo, à medida que passem os dias, as semanas e os meses. Apesar das gravíssimas dificuldades que a crise coloca, o Partido Alfa das classes médias espanholas continua a manter o controlo do tabuleiro.
É verdade que, no novo parlamento, há uma maioria favorável à soberania da qual pode sair, nas próximas semanas, uma coligação de governo de cariz nacionalista. A Convergència i Unió (CiU) e a Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) somam 71 deputados, mais do que o suficiente para negociar um executivo estável, com a celebração da consulta sobre a soberania como ponto central do seu programa.
E, apesar do golpe que sofreu, a CiU conta com a vantagem tática de poder explorar outra maioria de governo com os socialistas (somariam 70 deputados). Poderia inclusive negociar o apoio do PP para algumas questões (os dois partidos têm 69 assentos). Todas as fórmulas de governo passam pela Convergència i Unió e, em caso de estrangulamento parlamentar, haveria a possibilidade de novas eleições num período médio de tempo.
Maioria "catalanista" continua a ser enorme
Gravemente afetada, a CiU continua a ser o pal de paller [pilar]. Continua a ser a expressão política mais genuína das castigadas classes médias catalãs. Continua a ser o Partit de Catalunya [Partido da Catalunha].
É certo que a maioria favorável à soberania vai além da soma da primeira e da segunda forças. E, em sentido amplo, a maioria “catalinista” continua a ser enorme. Nos próximos tempos, não vai acontecer na Catalunha nada de verdadeiramente preocupante. Haverá trabalho para a formação de um governo estável, a aprovação do orçamento e a governação de um enorme aparelho administrativo que depende das transferências mensais do Ministério das Finanças [de Madrid].
É certo que a imprensa estrangeira, e em especial a britânica, fará hoje uma leitura dos resultados eleitorais muito diferente da leitura da imprensa de Madrid, na qual a política catalã será radicalmente escarnecida. Os anglo-saxónicos dirão que, na Catalunha, ganhou uma maioria independentista virada para a esquerda pelos efeitos da crise. E, na capital de Espanha, sublinhar-se-á, sem paliativos, o fracasso de Artur Mas.
Espanha ganhou as eleições
Talvez a primeira leitura seja mais lúcida – em termos europeus – mas o certo é que Espanha ganhou as eleições na Catalunha. Ganhou a ordem vigente. E ganhou porque, com toda a sua rigidez e com todos os seus desagradáveis kompromat [referência às informações de El Mundo sobre a possível existência de contas da família de Artur Mas na Suíça] para assustar o adversário, essa ordem é objetivamente muito forte e a sociedade catalã desistiu de concentrar na mesma narrativa os desejos de uma ordem diferente. O “catalanismo” é hoje uma maioria sentimental com graves dificuldades de operacionalidade política. A Catalunha não é a Holanda, também muito fragmentada politicamente. Quando, dentro de algumas semanas, se negociar a formação do novo governo, o entusiasmo para fazer parte de um executivo obrigado a seguir pela via dos duros sacrifícios será perfeitamente inexplicável.
A Espanha tem sem dúvida um problema: uma crise enorme e dois parlamentos favoráveis à soberania (o basco e o catalão). Mas será um problema que pode ser gerido: os bascos não farão nada que possa realmente pôr em perigo os saldos fiscais positivos do seu vantajoso foro [conjunto de direitos históricos concedidos à região], e, enredada na retórica sentimental da soberania, a Catalunha vai converter-se num vespeiro. A Espanha ganhou, a ordem vigente ganhou.
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“Suicídio político” de Artur Mas
O resultado das eleições regionais catalãs de 25 de novembro representa o "suicídio político" do presidente do governo catalão, Artur Mas, que antecipou a data das eleições. É a conclusão de Enric Hernández, diretor do Periódico de Catalunya, para quem a "maioria excecional" reclamada por Mas para garantir o apoio ao projeto de referendo sobre a independência da região ficou comprometida:
Depois da marcha da Diada independentista [no passado dia 11 de setembro, centenas de milhares de catalães manifestaram-se pela independência], o presidente apressou-se a contar com os manifestantes como se fossem todos potenciais votantes no CiU [o seu partido, nacionalista de centro-direita]. Pensou que o ficar à frente da reivindicação soberanista lhe permitiria, através de eleições antecipadas, esconder os cortes [orçamentais] atrás da bandeira independentista e alcançar um confortável mandato de quatro anos, na expectativa de que a crise se acalmasse até 2016. E foi por isso que se arrogou o papel messiânico do grande timoneiro que iria conduzir a Catalunha ao paraíso do “Estado próprio”. Enganou-se redondamente.
Agora, Artur Mas terá de negociar um acordo de governo com as outras forças políticas. E da sua escolha depende um possível referendo e até mesmo o seu próprio futuro, continua Hernández:
Mas terá de enfrentar agora um grave dilema: ou escolhe a fuga em frente com [a esquerda nacionalista] da ERC em direção ao soberanismo e ao governo da região — à custa da ajuda financeira pedida a Madrid, ou procura o apoio do PSC [socialistas] ou do PP [Partido Popular, no poder em Madrid] e renuncia ao seu projeto independentista.