Alemanha e Europa em direções opostas

Numa altura em que grande parte dos políticos, a começar por Angela Merkel, e a imprensa insistem que o mundo inteiro quer apenas o seu dinheiro, vem sendo tempo de os alemães perceberem que este discurso não só é falso como também perigoso. Para a Europa e para a democracia, avisa o diretor do semanário de esquerda Der Freitag.

Publicado em 19 Junho 2012 às 15:42

Um condutor engana-se na via e entra na autoestrada em contramão. O aviso é feito na rádio. “Um condutor em contramão?, diz o interessado, “digam antes centenas!”. Esse condutor é Angela Merkel. É a Alemanha conduzida por Angela Merkel. Estamos em contramão em matéria de política e de economia e estamos orgulhosos. Deixamo-nos iludir com o facto de toda a gente querer o “nosso” dinheiro. Não só é falso como o que está em causa é muito mais do que o nosso dinheiro.

Angela Merkel trabalha num projeto perigoso: enfraquecer o compromisso europeu dos alemães. Tenta fazer-nos querer que a Europa consiste apenas naquilo que a Alemanha quer ou não quer aceitar, conforme lhe interessa ou não, a curto prazo. Assim, a Europa torna-se res publica amissa, “a coisa pública abandonada”. É algo que já conhecemos e que sabemos onde termina. A Europa é como a república de Weimar. E quando o povo alemão desertou de Weimar, foi a democracia que expirou.

Todos os discursos em torno do “nosso dinheiro” – que o mundo nos inveja – constituem uma argumentação nauseabunda. A chanceler não o diz literalmente, deixa essa tarefa aos seus batedores do diário popular Bild. Nem uma nem outro se preocupam verdadeiramente com a Europa. Os seus corações e os seus pensamentos são atlanticistas. E, no entanto, a América perdeu a sua supremacia e deixou de ser um parceiro fiável. A chanceler e o tabloide cometem um grave erro ao enterrarem a ideia fundamental do pós-guerra segundo a qual a potência média que é a Alemanha não tem futuro fora da comunidade europeia de destinos. Comportam-se como se pudéssemos escolher entre a via alemã e a via europeia. Mas a via alemã não existe. O que fará Angela Merkel quando o euro tiver desaparecido, tal como o espaço Schengen e o acervo comunitário fruto de sessenta anos de integração europeia? Vira-se para a China?

Mesmo antes da chegada ao poder de Hitler, [o escritor e historiador antinazi] Sebastian Haffner escrevia: “não há outra maneira de o dizer, muitos alemães sentem-se resgatados e libertos da democracia”. Que sentimento retirar da Europa se o euro desaparecesse e, com ele, a União Europeia? Libertação? É tempo de, enfim, os alemães perceberem a atual crise tal como ela é.

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Uma chanceler que não gosta da Europa

Mas tenhamos calma. Ninguém, na Alemanha, quer verdadeiramente que os alemães paguem as dívidas da Europa. A época do padrão-ouro – onde a compensação dos pagamentos entre os bancos centrais se decidia em Fort Knox [onde estão guardadas as reservas de ouro dos Estados Unidos] e em que os lingotes transitavam de uma caixa-forte para outra - acabou. Uma união de bancos e a emissão de euro-obrigações deverão fazer a Alemanha entrar num sistema de garantias recíprocas. É a única maneira de evitar a rutura da Europa.

Sob o ponto de vista da história, é triste ver que à cabeça desta crise está uma chanceler que não gosta da Europa. Mesmo nestes momentos que, em boa consciência, classificamos como históricos é necessário reconhecer as realidades políticas. Mas só para as alterarmos melhor. É, por isso, útil perguntar o que teria acontecido noutras circunstâncias. “A pergunta: o que teria acontecido se tal e tal coisa não se tivesse produzido” é quase unanimemente rejeitada e, no entanto, é justamente aí que está a questão essencial”, escreveu Nietzsche. Chamamos voluntariamente a História quando se trata de avaliar as grandes instituições (Estados, impérios…), no entanto, nos momentos decisivos, é o indivíduo que está no centro da história. Se Frederico III não tivesse morrido de cancro na laringe apenas com 99 dias de reinado e se Bismarck tivesse ficado mais tempo a seu lado, teria sido possível evitar a Primeira Guerra Mundial?

Podemos supor que, logo desde o início da crise, um chanceler social-democrata não se teria portado como Angela Merkel, a grande hesitante. E podemos esperar que um novo chanceler – ou uma nova chanceler – se comportará de forma diferente após as próximas eleições. Pequeno indício: a social-democrata Hannelore Kraft destronou Angela Merkel enquanto responsável política preferida dos alemães. A Europa poderá chegar rapidamente ao fim dos seus sofrimentos.

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