Sala de reunião do Conselho Europeu em Bruxelas(foto: Conselho da UE)

Algumas lições de vida em Bruxelas

O que nos ensinam as recentes nomeações de Herman van Rompuy e Catherine Ashton para os lugares cimeiros da Comissão sobre a União Europeia? Umas cinco coisas, segundo Paweł Lisicki, chefe de Redacção do diário de Varsóvia Rzeczpospolita, e nenhuma delas fácil de digerir.

Publicado em 24 Novembro 2009 às 16:20
Sala de reunião do Conselho Europeu em Bruxelas(foto: Conselho da UE)

Os europeus podem estar descansados. A época da tormenta e da discórdia passou. A UE terá o primeiro-ministro Herman Van Rompuy como presidente e a baronesa Catherine Ashton como ministra dos Negócios Estrangeiros. Que isto nos sirva de lição sobre o estado vigente na União Europeia.

Primeiro, que seja uma lição de democracia, porque, sinceramente, não é fácil entender com precisão as razões que fizeram estes dois ser indigitados. Tudo o que sabemos garantidamente é que não foram eleitos. O resto permanece envolto em mistério. Se atentarmos nas informações da imprensa, parece que “foram recomendados”, “foram anunciados”, “reuniram consenso”. Quem está por trás de tais formulações na voz passiva? Só Deus poderia responder a tal pergunta. Para os demais, aqui na Terra, a única conclusão que podemos com segurança tirar é que a democracia tem a ver com não se saber quem se vai escolher, com que direito e em que termos, e quem, no final, acaba por ser escolhido. A menos que me tenha escapado alguma coisa.

Que seja, também, uma lição de transparência. Por mais que nos esforcemos, é demasiado difícil adivinhar exactamente os poderes que este duo terá, e se esses poderes serão sequer reais. Que decisões podem tomar e sobre que poderão chegar a acordo? Quem podem consultar e a quem prestam contas? Claro que os esperam momentos de êxito e insucesso, mas como, exactamente, reconhecer esses momentos? De que direcções esperá-los? Eu cá não sei.

Que seja, igualmente, uma lição de honestidade. “Um momento histórico. A Europa tem uma nova liderança”, exultava o primeiro-ministro da Suécia, Frederik Reinfeldt, aclamando a entrada triunfal de Van Rompuy e Catherine Ashton no palco internacional. Outros líderes da UE soltaram afirmações lapidares semelhantes. Não acredito que algum deles acreditasse realmente numa palavra do que dizia oficialmente. É uma convicção muito minha.

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Uma lição de “competência”. Durante muitos meses, ouvi dizer que a UE precisa de uma dinâmica “nova” e de ter uma liderança “forte”. E eis que dois desconhecidos aterram nos cargos de topo. Não é grave, porque, se pensarmos bem, Van Rompuy é realmente um tipo animado – quando comparado com a baronesa Ashton, entenda-se. Compõe “haiku” (“O cabelo esvoaça ao vento. Anos depois ainda há vento. Pena já não haver cabelo"), pratica zen, trabalha muito duramente e acredita que, para tomar boas decisões, é preciso “ter tempo para descansar”. Sempre é primeiro-ministro da Bélgica. Mas e a Senhora Ashton? Nunca teve um vislumbre de experiência diplomática, o que – ao que parece – não é considerado uma desvantagem. Conclusão: a competência não tem a ver com conhecimentos e capacidades, mas com satisfação de expectativas. Expectativas essas que permanecem um mistério (ver acima).

Uma lição de igualdade. Que igualdade? Bem, a espécie de igualdade que faz com que, se o cargo de presidente é dado a um “homem” e a um democrata-cristão, então tem de se dar a uma “mulher” ligada à esquerda o de Ministro dos Negócios Estrangeiros. “Seria bom que a voz de uma mulher respondesse às chamadas telefónicas para a Europa”, manifestava-se deleitado Jerzy Buzek [presidente do Parlamento Europeu]. Bem, Jerzy, o seu sonho concretizou-se. Ainda que não pareça importar se a voz tem algo interessante para dizer. Mas calma. Pode-se ainda argumentar que não temos suficiente igualdade: porque há-de um “homem” ser presidente e uma mulher apenas ministro? Porque não o contrário? Então? Isto quando a Senhora Alta Representante não disse nada sobre a sua nomeação a não ser algumas palavras escolhidas, qualquer coisa do género: isto é um sinal de que as mulheres estão a ser finalmente apreciadas. Apreciadas. Pois.

Que tudo isto nos sirva portanto de lição, repito. Que nos sirva de lição de que, sem sombra de dúvida, um futuro glorioso aguarda a União Europeia.

COMISSÃO

Começa a dança das pastas

A batalha para a presidência do Conselho da Europa e o cargo de Alto Representante terminou, mas a das pastas de Comissário pode aquecer. "É altura de acertar contas com José Manuel Durão Barroso", o reeleito presidente da Comissão "graças ao apoio de governos a priori pouco favoráveis à sua continuação" e que agora "fazem valer os seus trunfos junto do capitão da equipa, para ficarem com os cargos mais influentes", comenta o La Vanguardia. Embora formalmente os comissários devam agir exclusivamente em prol dos interesses da União, cada Estado-membro pensa no seu interesse nacional, aquando das negociações das pastas.

A França conta com o cargo de Comissário do Mercado Interno para Michel Barnier, uma "opção praticamente decidida", com a qual Nicolas Sarkozy “deseja fazer de Paris uma praça financeira alternativa à de Londres" e que é a retribuição por ter aceite que uma britânica que não fala francês fosse nomeado para chefiar a diplomacia europeia, alvitra o diário. Já o actual Comissário para os Assuntos Económicos, Joaquín Almunia, poderia vir a assumir a "poderosa pasta” da Concorrência, graças, nomeadamente, ao "papel fundamental" desempenhado pelo chefe do Governo espanhol, José Luís Rodríguez Zapatero, "na reeleição de Barroso, contra o desejo dos socialistas europeus”. Quanto aos alemães, “a surpresa foi o anúncio do seu futuro comissário: Günter Oettinger, presidente do land de Bade-Würtemberg, cuja carreira política está presentemente em declínio”, uma nomeação que “suscita interrogações sobre o interesse de Berlim pelas instituições europeias”, conclui o diário.

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