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Panfletos de promoção das matinés Berlin Meschugge

Berlim, a nova Telavive

Turistas, estudantes e residentes cada vez mais numerosos: os israelitas divertem-se na capital alemã, cuja imagem é hoje associada mais aos divertimentos do que aos crimes nazis.

Publicado em 7 Setembro 2010 às 15:53
Berlin Meschugge  | Panfletos de promoção das matinés Berlin Meschugge

Amit e Eynat Sonnenfeld vão carregados de sacos e a transpirar, mas não têm tempo para parar um bocadinho, ou comer um gelado. Estão cheios de pressa. O ar é quente e húmido como em Telavive. A multidão acotovela-se nos passeios estreitos de Hackescher Markt. Seria bom partirem já, mas Eynat pega na lista do que ainda têm para fazer. O programa do dia inclui ainda duas etapas: Birkenstock e Sachsenhausen, o antigo campo de concentração ao pé de Oranienburg.

Amit faz 56 e adora os seus Birkenstock. Em Israel, esta marca vende em especial o "made in Germany" dos seus produtos. Como são mais baratos na Alemanha, decide comprar três pares. E fica na dúvida se não será bizarro ir ao memorial do campo de concentração com os sacos da Zara e da Birkenstock na mão.

Amit dirige uma fábrica de balões e a mulher é palhaço nos serviços de cuidados intensivos para crianças com cancro. São as primeiras férias que fazem ao fim de muito tempo e a primeira vez que estão na Alemanha. Eynat está encantada: "Berlim é completamente multicolor! Não tem nada que ver com as imagens da Alemanha que me acompanham desde a infância". "Custa-me a crer que o meu pai tenha sido deportado daqui para Sachsenhausen", acrescenta o marido.

O destino preferido dos israelitas, antes de Praga e Barcelona

Berlim causa grande admiração na Terra Santa. Em Telavive, os armazéns de comércio chamam-se "Salão Berlim" e os cursos do Goethe Institut também se esgotam em Jerusalém. Há cinco anos, só havia uma ligação direta entre Telavive e Berlim; atualmente, pode haver três voos por dia. A Lufthansa oferece quatro voos diários para a Alemanha.

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A cidade onde foi decretado o extermínio dos judeus passou a ser o destino preferido dos israelitas, mais do que Praga ou Barcelona. Ao longo dos últimos dez anos, o número de visitantes israelitas na capital alemã quintuplicou. Cerca de 48 mil visitaram Berlim em 2009. Oriundos de um país com apenas sete milhões de pessoas, os turistas israelitas são os principais visitantes não europeus a visitar a Alemanha, a seguir aos norte-americanos (300 milhões).

Os israelitas também gostam de Berlim para viver. O número dos que ali vivem aumentou 50% entre 1999 e 2009. Desde 2000, as duas universidades berlinenses viram duplicar o número de estudantes israelitas. Os israelitas também gostam de comprar bens imobiliários, nomeadamente nos bairros de Kreuzberg e Friedrichshain. Setenta anos depois da expulsão dos judeus da Alemanha, consideram de bom-tom investir no mercado imobiliário berlinense.

Por todo o lado se ouve falar hebreu

Berlim é a nova Telavive no Spree. Por todo o lado, na rua e nos clubes, se ouve falar hebreu. Os israelitas já não associam Berlim apenas ao seu extermínio, mas sobretudo ao divertimento e à vida mais barata. Podem fazer visitas guiadas em hebreu pela vida noturna de Kreuzberg ou pelo bairro judeu de outrora e da atualidade. Chega a haver soirées Meschugge (loucas) num clube na Rosenthaler Platz para dançar ao som da música de Ofra Haza.

Claro que haverá sempre judeus que jamais porão os pés na Alemanha. Mas também há cada vez mais judeus que não se cansam de a visitar. Viver hoje em Berlim, onde não ficaria nem um judeu, de acordo com a vontade dos nazis, é uma espécie de vitória. É igualmente uma forma de se libertarem do peso do passado. Todas as crianças israelitas estudam a História do Holocausto, conhecem alguém com um número tatuado no antebraço e vão a Auschwitz em viagem de estudo. Os jovens israelitas e casais como os Sonnenfeld, que se encontram hoje em Berlim, querem descobrir o novo rosto da capital alemã. "Os jovens dizem o mesmo que os pais, que não se esquecem, mas não querem estar sempre a remoer o passado", observa Kieker, que trabalha no ramo do turismo. No entanto, este assunto surge por si só.

Depois de se perderem uma quantidade de vezes, Amit e Eynat chegam finalmente ao memorial de Sachsenhausen. Amit liga para o pai, em Israel. Os dois homens ficam com "a voz embargada pela emoção". No museu existe um desenho do pai de Amit. "Saímos de lá tão cansados que já não nos apetecia ir apanhar o comboio.” Decidem então apanhar um táxi para percorrer os 60 quilómetros que os separam do hotel berlinense. Não se esquecem do trajeto. O taxista já não era novo. Amit pergunta-lhe de onde é. "De Oranienburg", responde-lhe o homem. "E os seus pais?" "Também." As palavras ressoam na cabeça dos Sonnenfeld. Oranienburg. Será que os pais deste homem trabalharam no campo? O casal Sonnenfeld não se atreve a perguntar. Amit explica então que o pai foi prisioneiro do campo de concentração. O taxista não responde. Não dirá nem mais uma palavra durante toda a viagem de uma hora até ao hotel. "Ora aqui está um silêncio interessante", conclui Amit.

Berlim

Um novo muro se ergue

Mais de vinte anos após a queda do Muro de Berlim, existe uma barreira invisível a dividir a cidade, escreve La Stampa: "O bairro Mitte começa a sul da Bernauer Strasse, com os seus supermercados biológicos e os seus bares alternativos. A norte, Wedding e Brunnenviertel, com taxas de desemprego recorde e habitação social ocupada por famílias turcas e árabes”. Deste modo, e apesar das inflamadas reações de indignação de Thilo Sarrazin, o mito de Berlim multicultural está prestes a desaparecer, deixando transparecer uma realidade feita de integração falhada e guetização. As autoridades, que esperam que os "Gästarbeiter" não fiquem muito tempo na Alemanha, só os autorizaram a estabelecer-se em bairros como Kreutzberg e Neukölln, por exemplo. "O resultado é que hoje multiplicaram-se as zonas onde é possível fazer compras ou ir ao médico sem falar uma palavra de alemão."

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