Berlim regressa à “realpolitik”

Depois de um verão febril, perfila-se um outono mais tranquilo na Zona Euro: os países do Norte, a começar pela Alemanha, mostram-se mais pragmáticos. Perceberam que o fim do euro iria causar um terramoto dentro e fora da UE. Mas nem por isso alargam as rédeas, pelo que ainda estamos longe de uma solução.

Publicado em 23 Agosto 2012 às 14:58

A calma que se segue à tempestade vai ter que esperar. Não se sabe ainda por quanto tempo. Mas, depois de um verão escaldante, que acabou por ser menos castigador do que se temia, perspetiva-se um outono ainda bastante quente para o euro, mas mais suportável e mais bem gerido. Após dois anos de turbulência, os espíritos acalmaram-se e passou-se a uma abordagem mais calma, racional e equilibrada da crise.

Extremismos, dogmatismos e populismos não desapareceram. Tal como a recessão económica e o desemprego, que contribuem significativamente para os alimentar. Na Alemanha, o Bundesbank e parte do Bundestag mantêm a sua posição de ortodoxia absoluta e continuam a fazer subir o tom, acompanhados pelo Banco Central Europeu (BCE). Mas o debate alemão está mais subtil. Em especial, Angela Merkel parece convencida de que, para a sua reeleição, é preferível apresentar-se às eleições de setembro de 2013 com o euro do que sem ele. O colapso da moeda única iria causar um choque extremamente dispendioso e de consequências imprevisíveis, na Europa e fora dela.

Pressão necessária

Não foi apenas a chanceler que se converteu ao pragmatismo. O próprio primeiro-ministro finlandês, Jyrki Katainen, o mesmo que exigiu garantias adicionais à Grécia antes de desbloquear a sua participação na ajuda financeira, fala agora de "uma maior integração política e não o seu oposto", para fortalecer o euro. Nos igualmente rigorosos Países Baixos, o dirigente socialista Emile Roemer, provável vencedor das eleições de 12 de setembro, brada contra a austeridade e promete que a redução do défice abaixo de 3% do PIB não vai acontecer antes de 2015, ou seja, dois anos depois da data com que o seu país se tinha comprometido.

Significa isto uma lufada de ar fresco vinda dos países do clube da disciplina, dos cortes orçamentais e da recessão? Não. Nem Berlim, nem os seus aliados do Norte ou o BCE de Mario Draghi tencionam reduzir a pressão, que consideram necessária para restaurar a estabilidade, a coesão e a credibilidade da Zona Euro. No entanto, todos parecem dispostos a considerar a realidade e os custos iníquos da crise enfrentada por alguns países, como a Itália, em benefício de outros, como a Alemanha, os Países Baixos e a França.

Newsletter em português

Foi neste clima mais realista e construtivo que o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, se deslocou a Atenas, em 22 de agosto, para um encontro com o primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, que deve visitar Berlim no dia 24 e Paris a 25, enquanto François Hollande e Angela Merkel se reúnem no dia 23, em Berlim. Uma vez adquirido, como parece ser o caso, que a saída da Grécia do euro foi metida na gaveta em nome da defesa da integridade da moeda única, pode-se agora procurar uma solução. Como se viu em Espanha e numa altura em que as tensões em torno do destino da Itália parecem acalmar-se.

Desmascarar o 'bluff' francês

Isso não significa, no entanto, que se vá baixar as guardas. A doença do euro está longe de estar curada. Longe disso. Graças a uma combinação de circunstâncias, nomeadamente políticas, a França escapou à leprosaria do Mediterrâneo. Mas apresenta os mesmos sintomas. E vai ter de tratar deles o mais depressa possível e de forma credível, se não quiser que os mercados financeiros, mais cedo ou mais tarde, decidam expor o seu logro.

Para já, François Hollande é visto como um Presidente de passagem. A sua fragilidade e do seu país podem desqualificá-lo no jogo de entrega da soberania nacional em matéria de orçamento – a chamada União Fiscal, em linguagem de Bruxelas –, um pré-requisito estabelecido pela Alemanha para garantir a sua solidariedade em termos de Zona Euro. Ou seja, a sobrevivência da moeda única.

Este regresso a uma atitude mais razoável, um pouco por toda a Europa, permite um otimismo moderado. Mas não chega para dissipar muitas incógnitas que continuam a atormentar o destino do euro, a começar pelo calcanhar de Aquiles francês.

Visto de Atenas

Samaras no fio da navalha

As declarações de Angela Merkel – segundo a qual do seu encontro com Antonis Samaras, em 24 de agosto, não sairá qualquer decisão antes do relatório da troika sobre os progressos das reformas na Grécia, em fins de setembro, – e as do ministro das Finanças neerlandês, Jan Kees de Jager, que se declarou contrário ao adiamento solicitado pelo primeiro-ministro grego para pôr em prática essas reformas – tiveram o efeito de um balde de água fria: "Todas as esperanças, ainda que mínimas, de um resultado da deslocação de Samaras a Berlim morreram à nascença", escreve o To Vima. Segundo este diário de Atenas, que, em título, chama "A batalha dos três dias" à maratona diplomática de Samaras,

a posição de Berlim e dos seus seguidores é clara: os alemães decidiram aumentar a pressão, por duas razões. Em primeiro lugar, porque acreditam que, quanto mais forte for a pressão, mais o Governo grego será obrigado a cumprir os seus compromissos. E que, pelo contrário, o mínimo gesto de compreensão poderá corresponder a um abrandamento dos esforços. Por conseguinte, escolhem a violência como única saída. A segunda razão é mais profunda e tem a ver com a credibilidade dia a dia mais fraca da Grécia, que prometeu muito e fez muito pouco, nos últimos anos. Os alemães consideram, muito simplesmente, que a Grécia não cumpriu as suas obrigações no período em que estiveram no poder os quatro últimos Governos.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico