União Europeia
Nas placas: "Fora; Dentro"

“Cameron pôs o dedo na ferida”

O discurso do primeiro-ministro britânico, de 23 de janeiro, sobre o futuro das relações entre o seu país e a UE, é tema de primeira página da maioria dos jornais europeus. A hipótese de saída do Reino Unido suscita reações que vão da indignação a uma certa compreensão.

Publicado em 24 Janeiro 2013 às 15:58
Nas placas: "Fora; Dentro"

São também muitos os jornais que, tal como uma boa parte da imprensa britânica, reconhecem que Cameron levantou questões legítimas e que merecem uma resposta, tanto ao nível nacional como europeu.

Em Paris, Les Echos considera que o discurso de David Cameron lança "desafios perigosos". Este diário económico não hesita em comparar o primeiro-ministro à sua distante antecessora:

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Como fez no seu tempo Margaret Thatcher, David Cameron não se preocupa com o interesse comum que representa a construção de uma Europa como potência económica – e, necessariamente política. A sua visão passa por uma Europa feita por medida, da qual seja possível ser membro sem aceitar todas obrigações, estar na União sem estar no euro e em Schengen. No entanto, se a crise do euro e os planos de salvamento da Grécia serviram para alguma coisa, foi para mostrar a necessidade de uma integração mais estreita dos países europeus, designadamente em matéria orçamental, fiscal e financeira. Pelo menos entre os 17 países do euro. Não é evidentemente esse o objetivo de David Cameron.

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Na Alemanha, Die Welt considera que "Cameron põe o dedo nas feridas da UE" e opina – como a esmagadora maioria dos comentadores alemães – que as dúvidas do primeiro-ministro britânico são absolutamente legítimas e até "libertadoras".

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Cameron está longe de estar isolado na sua análise das mudanças que a UE enfrenta e não se pode responder a essa análise com um simples ´continuemos em frente´. […] A atitude do primeiro-ministro britânico de pôr em cima da mesa [a questão da estabilização da zona euro através de um aprofundamento da UE] não é antieuropeia. Também não é antieuropeu da parte de Cameron recordar que a competitividade da União se encontra ameaçada e atribuir a responsabilidade por isso (nomeadamente) a uma gestão esclerosada da UE – as regras e ordens exageradas que paralisam muitas forças criativas na economia. E não é de modo algum antieuropeu recordar o défice democrático humilhante e a falta de confiança dos cidadãos na UE e nas suas instituições. […] O Reino Unido segue uma abordagem ‘mais prática que emocional’, diz Cameron. Isso talvez fizesse bem a todos nós.

"O Reino Unido não sonha com uma existência confortável e isolada na orla da Europa", diz o comentador do Gazeta Wyborcza, Tomasz Bielecki, que recorda o discurso de Margaret Thatcher, de 1988, salientando que, para Cameron, que, tal como Thatcher, é um forte crítico da UE, mas defende ao mesmo tempo a continuidade da qualidade de membro da Comunidade Europeia para o Reino Unido, a Brexit seria um acidente de trabalho fatal, tal como

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(…) seria um duro golpe contra a união de 27 países, e a zona euro tornar-se-ia o único polo de verdadeira integração, rodeado pelas periferias da UE. Para nós [polacos], é certamente muito mais perigoso que para os britânicos. O zloti polaco não é a libra britânica e as Ilhas Britânicas não são a Polónia, que tem vizinhos que nem sempre são fáceis. O jogo de David Cameron deveria levar-nos a seguir em frente com planos concretos para aderir à zona euro.

Em Estocolmo, o Svenska Dagbladet salienta que Cameron não é o único na Europa a exprimir a ideia segundo a qual "a adesão à UE não deve ser o equivalente a comprar um bilhete para um comboio fantasma, que não para em nenhuma estação e tem destino desconhecido". As reações ao seu discurso eram previsíveis, sublinha este diário: "em toda a Europa, ouvia-se dizer que a UE não é um smörgåsbord [bufete escandinavo], onde cada um pode escolher livremente o que quer." "Mas haverá apenas um caminho possível?", pergunta o diário:

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A resposta é claramente não, dado o modo como a UE já funciona hoje: a Suécia não tem o euro. O Reino Unido não faz parte do espaço Schengen. Os exemplos são muitos. […] Para os britânicos, a alternativa é fazer face a uma UE que parte em todos os sentidos, com as seguintes perguntas: ‘How? Why? To what end?’ [Como? Porquê? Em que direção?]. Perguntas que deveriam ser do interesse de todos os Estados-membros e no interesse da União.

No mesmo comprimento de onda, o România liberă considera que a União "flexível, adaptável e aberta" proposta por Cameron é uma provocação muito séria. Este diário de Bucareste salienta que,

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pela primeira vez, um dirigente europeu apresenta uma visão da UE diferente da visão de uma integração política mais profunda; uma visão mais modesta, mas mais liberal e mais centrada no mercado livre. Até agora, a Roménia optou pelos Estados Unidos da Europa e pelo modelo alemão da União Europeia. Agora que existe outra visão, os nossos dirigentes políticos talvez se empenhem num verdadeiro debate sobre o modelo europeu mais vantajoso para um país como o nosso, pois é certamente isso que vão fazer outros países.

"Cameron lança uma sombra sobre a UE", lamenta por seu turno o jornal De Volkskrant. Este diário de Amesterdão, a cidade onde o primeiro-ministro deveria à partida ter pronunciado o seu discurso, considera contudo que o seu projeto deve ser levado a sério pela UE, se esta quiser garantir a sua sobrevivência:

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Será muito difícil responder às exigências de Cameron, sem prejudicar toda a construção europeia. Quando um Estado-membro deseja voltar atrás sobre determinados acordos, haverá sem dúvida outros países que irão exigir exceções. Mas a saída do Reino Unido não é do interesse da UE – e, designadamente, da Holanda. É por isso que a Comissão Europeia e os outros Estados-membros devem levar seriamente em consideração as propostas britânicas. Além disso, a iniciativa britânica dá a Bruxelas matéria para reflexão: seria insensato lançarmo-nos em projetos de integração, se estes puserem em perigo a unidade da União Europeia.

Em Madrid, Lluis Bassets refere, em El País, que "a Europa britânica" se assemelha mais a uma "simples zona de comércio livre", como foi "a EFTA, criada como alternativa à Comunidade Económica Europeia". Este editorialista considera que,

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para o primeiro-ministro, a UE é um mero instrumento e não um objetivo. Para Cameron, embora não o diga ainda com todas as letras, a questão é clara: ou a UE se converte naquilo que os eurocéticos estão dispostos a tolerar ou não haverá outro remédio senão sair. O descaramento da chantagem é espantoso […]. O sonho conservador é relacionar-se sem intermediários com o mundo global e utilizar a UE como um mero espaço de comércio livre, o mais desregulamentado possível. É uma ideia que, um dia, pode ter sido atraente à partida, mas que agora choca com uma série de obstáculos; o maior é a dificuldade de todos os países europeus, incluindo o Reino Unido, de existirem por si mesmos num mundo global, como se fossem potências emergentes e não velhas antigas potências europeias. Washington e Pequim recriminam Cameron pelas suas ambiguidades: preferem relacionar-se com Londres através de uma UE forte.

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