Contra a Europa das frentes

A construção de uma frente latina que possa dar resposta aos seus poderosos vizinhos do Norte, liderados pela Alemanha, peca por simplismo como solução perante a crise e remete para os nacionalismos da Velha Europa, defende o escritor Javier Cercas.

Publicado em 4 Julho 2013

É um facto: de há uns tempos para cá, o euroceticismo corrói a Europa. No Reino Unido, Cameron promete, para 2017, um referendo sobre a continuação do país na UE; em Itália, Beppe Grillo propõe sair do euro; em França, Le Pen também pede um referendo sobre o abandono do euro e da UE; mesmo em países como o nosso, até há pouco tempo fortemente europeístas, se nota que a fé nos benefícios de uma Europa unida começa a abrir fendas.

É discutível se este descontentamento geral diz respeito à ideia de uma Europa unida ou, simplesmente, à forma como a Europa se está a unir, mas a verdade é que o fenómeno existe, e está a crescer. É extraordinário: há pouco mais de dez anos, quando estreámos o euro e a crise económica ainda nem sequer espreitava, era uma verdade quase indiscutível que a UE iria ser a grande potência do século XXI e toda a gente queria fazer parte dela; agora, acontece exatamente o contrário.

A crise económica ameaça liquidar a melhor ideia política que nós, europeus, tivemos na nossa história. É verdade que esta crise não é económica (ou não só), mas política, sobretudo, e também é verdade que, na sua origem, não é uma crise europeia.

Tanto faz: o que importa é que cada vez mais europeus responsabilizam a Europa pela má situação; decerto modo é lógico: de momento, nada alivia tanto como atribuir as culpas da própria desgraça ao outro e, da mesma maneira que nós, catalães, descobrimos que é ótimo culpar Espanha por todo o mal (porque assim não temos de nos responsabilizar nós por eles), os europeus estão a descobrir que é fantástico fazerem o mesmo com a Europa unida.

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Uma união latina

Perante este panorama, algumas cabeças bem pensantes estão a tentar urdir alternativas à atual UE; o último a fazê-lo (ou o penúltimo) foi Giorgio Agamben. Num artigo publicado em La Repubblica [e no Libération], Agamben lamentava que a atual UE se tenha formado apenas sobre uma base económica e ignorando os parentescos culturais; segundo ele, esta opção estaria a mostrar agora a sua fragilidade, sobretudo sob o ponto de vista económico: a pretendida unidade resumiu-se a acentuar as diferenças, impondo a uma maioria mais pobre os interesses de uma minoria mais rica, muitas vezes coincidentes com os de uma única nação (Alemanha).

Agamben procura uma alternativa a este suposto erro numa ideia cunhada em 1947 por Alexander Kojève: a ideia de uma união latina, uma comunidade encabeçada pela França que unisse política e economicamente as três grandes nações latinas (França, Itália e Espanha), aparentadas pelas formas de vida, de cultura e de religião. Escreve Agamben: “Não tem lógica pedir a um grego ou italiano que viva como um alemão; mas mesmo que fosse possível, isto levaria ao desaparecimento de um património cultural e de uma forma de vida”.

O risco do nacionalismo

O diagnóstico de Agamben parece-me, em parte, acertado; a solução, completamente errada. É verdade que a Alemanha está a impor uma Europa só de acordo com os seus interesses e, afinal, injusta. Mas, por um lado, não vejo o que é que resolvemos criando uma Europa pobre unida pela França e uma Europa rica unida pela Alemanha, sobretudo tendo em conta que os recentes grandes males da Europa surgiram do confronto entre a França e a Alemanha.

Por outro lado, é absurdo pensar que a pobre e frágil Europa latina se poderia defender da voracidade irracional dos mercados e proteger, assim, a sua democracia quando, na realidade, tão-pouco o poderia fazer a rica e forte Europa germânica (como também é absurdo pensar que alguma das duas pudesse lutar sozinha contra a China ou a Índia e impedir, portanto, que a Europa continuasse reduzida à sua irrelevância).

Além do mais, não poderiam os bascos ou os lombardos, nessa hipotética Europa latina, dizer que não faz sentido obrigarem-nos a viver como espanhóis ou italianos e a perderem o seu património cultural? Não deveria ser precisamente uma das maiores forças de uma Europa unida a conquista de uma unidade política e económica sem perda da diversidade cultural, sem que ninguém obrigue ninguém a levar uma forma de vida que não quer? Não assoma no argumento de Agamben a pata do principal inimigo histórico da Europa, o nacionalismo? No fundo, não é a nova Europa de Agamben a velha Europa de sempre? Vocês dirão.

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