A Alemanha e os emigrantes
Berlim, 20 de junho de 2015. Uma manifestação na véspera do Dia Mundial dos Refugiados.

De braços abertos, mas até quando?

A imigração está a fazer manchetes por toda a UE. Enquanto na maioria dos países europeus se assiste a uma forte hostilidade face aos emigrantes e aos requerentes de asilo, a Alemanha distingue-se pela sua política de acolhimento generosa. No entanto, advertem os escritores do Der Spiegel, esta cultura de hospitalidade começa a mostrar sinais de fatiga.

Publicado em 17 Agosto 2015 às 09:41
Germanbignews  | Berlim, 20 de junho de 2015. Uma manifestação na véspera do Dia Mundial dos Refugiados.

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Este ano, espera-se que 400 mil requerentes de asilo cheguem à Alemanha, enquanto outros países, nomeadamente a Espanha e o Reino Unido, se recusaram a flexibilizar a sua política de acolhimento face ao número recorde de refugiados provenientes de países em guerra ou que fogem às perseguições. No entanto, os recentes ataques aos centros de acolhimento na Alemanha relembram o passado problemático do país no que diz respeito à imigração.

A Alemanha nem sempre foi tão aberta. Embora os anos pós-guerra sejam, muitas vezes, relembrados como um período de solidariedade entre os alemães do oeste e os que fugiam ao regime comunista da RDA, na realidade, sublinha a revista, foram precisos anos para que os novos residentes fossem aceites no seio da Alemanha ocidental. Os alemães do oeste mostravam o mesmo “receio dos estrangeiros, juntamente com preocupações quanto à prosperidade do seu país e à perda das suas tradições”, o que acabou por se refletir na sua atitude face às novas vagas de imigrantes.
Os trabalhadores oriundos da Turquia, Itália e Espanha foram muitas vezes vítimas de xenofobia e de exclusão. Foi feito pouco esforço para que fossem aceites na sociedade alemã. “Convinha que a primeira geração de trabalhadores tivesse pouco ou nenhum interesse em integrar-se”, argumentam os autores. “Os alemães também não tinham qualquer interesse em integrá-los”.

No início dos anos 90, os ataques em Mölln e Solingen caraterizaram um período de histeria anti-imigrante que, em 1992, deram origem a uma dura nova lei para impedir as solicitações de asilo. Os requerentes de asilo apenas podiam ser aceites se não tivessem fugido através de países seguros, algo praticamente impossível dado o quão seguros são os países vizinhos da Alemanha. O chanceler Helmut Kohl afirmou repetidamente que a Alemanha não era fundamentalmente um país de imigração. Os seus pontos de vista receberam um forte apoio por parte dos meios de comunicação.

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Esta lei foi finalmente abolida em 2005 e, nos últimos anos, uma nova legislação facilitou a tarefa aos imigrantes no que diz respeito à solicitação de residência e autorizações de trabalho. O que pensar desta mudança de atitude radical? O Der Spiegel afirma que o pragmatismo político é um fator importante. Com uma população em declínio e uma formação que começa a escassear, os líderes alemães reconhecem os benefícios demográficos do aumento da imigração. “Seria um desperdício de recursos renunciar o conhecimento, as capacidades e a educação prévia dos imigrantes relutantes quanto à possibilidade de deixar a Alemanha”.
Mas há ainda outro fator, defende a revista –

Contrariamente ao tratamento dos seus trabalhadores estrangeiros nos anos do milagre económico da Alemanha, o país está agora disposto a investir e integrar. Quer oferecer algo mais, além de dinheiro, roupa ou um telhado. Está pronto para dispor da sua humanidade e empatia, proximidade e um sentido de comunidade, de amizade – sim, até mesmo amizade.

Voluntários de todo o país estão a ajudar os seus novos vizinhos a adaptar-se e alojar-se nas suas comunidades adotivas; as instituições de beneficência estão a recolher roupa, brinquedos e artigos de higiene.

Resta saber se esta atmosfera irá prevalecer contra a crescente sensação de inquietude devido ao número de requerentes de asilo que vivem agora na Alemanha. Os autores sugerem que a hospitalidade alemã tem os seus limites e, sem medidas para controlar todas as pessoas que chegam ao país, esta amostra de solidariedade pode chegar ao fim.

No seio da população existe um consenso quanto a determinados aspetos, um consenso de compaixão limitada, segundo o qual as pessoas estão dispostas a oferecer algo, mas não tudo, e certamente não estão dispostas a ceder as suas vidas confortáveis numa Alemanha próspera.

Estes sugerem que o Governo deve reformar o sistema para determinar a validade das solicitações de asilo. Aqueles que fogem de conflitos genuinamente devem ter um acesso mais rápido, enquanto os imigrantes económicos, oriundos sobretudo do sudeste europeu, deviam ser reagrupados em acampamentos e repatriados duas semanas após a sua chegada. “O sonho de uma vida melhor não é um motivo válido para solicitar asilo”, afirmam os autores. Deve ser introduzida uma lei de imigração que permita aos requerentes elegíveis entrar no país através de canais legais.

“Mas qual é realmente o estado da nação”, interroga o Der Spiegel.

No que diz respeito aos refugiados, é um estado de ansiedade. Na verdade, tudo se reduz a uma questão de como a crescente afluência dos refugiados e requerentes de asilo afeta negativamente a relação dos alemães com os recém-chegados. Os 400 mil requerentes de asilo que se prevê que cheguem este ano vão colocar à prova a nova cultura de boas-vindas da Alemanha. Conseguirá aguentar? Conseguirá sobreviver?

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