Diplomacia sem voz

Com um ministro dos Negócios Estrangeiros distante, por um lado, e uma coligação muito pouco unida, por outro, o Governo de Angela Merkel move-se num contexto internacional cada vez mais complexo. Numa incerteza que afeta toda a Europa.

Publicado em 5 Setembro 2011 às 14:04

Quanto tempo mais aguenta um Governo assim? A Alemanha nunca foi tão importante para a Europa como agora – e a sua política externa nunca tinha sido tão fraca. A cada dia que passa, a crise da política externa vai minando progressivamente aquilo que foi outrora uma política interna. O destino do atual executivo será ditado por uma simples questão: conseguir redefinir a posição da Alemanha na Europa. Em termos mais dramáticos: permitir que os alemães se sintam novamente bem na Europa.

Mas a Chanceler alemã receia agora pela sua maioria, que continua dependente do resgate do euro. Ursula von der Leyen, sua colega de Gabinete, ao explorar o vazio estratégico de Merkel para se posicionar como eventual sucessora, insiste nuns “Estados Unidos da Europa” – uma fórmula que, infelizmente para a CSU e para o FDP, é generalizadamente detestada.

E tinha de surgir no preciso momento em que a política externa passou a ser vital e a Alemanha é representada por um ministro dos Negócios Estrangeiros que já ninguém leva a sério. As tentativas frustradas de Guido Westerwelle de atribuir a queda de Kadhafi às sanções alemãs tornaram ostensivamente clara a desorientação da política alemã aos olhos de todos. Não é só Guido Westerwelle que está à prova, mas toda a política externa do seu país. A Europa não poderá ser salva contra a vontade dos alemães, nem sem eles.

Preocupação com a Europa

A Alemanha está perante uma questão difícil como é a questão do rearmamento, da aliança com o ocidente e da sua política de leste: Qual o futuro do país na Europa? A política da integração europeia, outrora o feudo de tecnocratas, passou a ser palco da crise da identidade alemã. A velha teoria de que o país era demasiado pequeno para conseguir uma hegemonia na Europa e demasiado grande para ficar em pé de igualdade com os outros países parece ter sido superada.

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O excelente compromisso de então – que a Alemanha ficaria com a influência económica e a França seria o peso pesado político – já não surte efeito. Anteriormente, a Alemanha conseguia comprar poder. Mas hoje também é uma força política indispensável na Europa. A Europa não poderá ser salva contra a vontade dos alemães, nem sem eles.

Na sua tentativa de manter o continente unido, criou-se o euro, sob pressão dos franceses, para evitar a hegemonia germânica na Europa. Ironicamente, porém, o euro lançou os alicerces para o domínio alemão. Os alemães são os vencedores da Europa mas, no entanto, são muitos os que, na Alemanha, se sentem defraudados com a Europa. O euro fez da Alemanha o líder preocupado da Europa. A Alemanha tem medo da Europa e os europeus receiam o poder alemão. Precisamente numa fase em que começam a perceber que já não são um modelo para a Europa, mas vítimas da ideia europeia, são os alemães que, agora, têm de reconstruir a UE. Apesar de o conceito de uma Europa unificada ter sido, no passado, intrinsecamente valioso, há muita gente que, neste momento, acredita que a noção de "mais Europa" ameaça a prosperidade e os valores.

A velha questão da guerra e paz

Levada pelos mercados, a Chanceler alemã está determinada a reforçar a nova Europa indiretamente. Em termos oficiais, luta pelo alargamento da cultura alemã da estabilidade, embora expressões como "governação económica", "ministro das Finanças europeu", "títulos da dívida europeia" e, mais recentemente, "Estados Unidos da Europa" tenham vindo, gradualmente, através da sua política, a entrar na zona do concebível.

À vista de todos, a Alemanha começo a refazer a Europa à sua imagem e semelhança: Nicolas Sarkozy, antigo porta-voz dos países endividados, é agora um campeão da estabilidade. O executivo alemão tem de abandonar a sua estratégia obstinada e explicar por que motivo é que a atitude da Alemanha voltou a mudar mais do que aqueles que ficam sem palavras em Berlim alguma vez poderiam imaginar.

À parte a questão da Europa, persiste a segunda questão fatídica da guerra e da paz. Que ilação pode tirar-se das anteriores intervenções nas duas últimas décadas – da Bósnia ao Afeganistão e à Líbia? Sair rapidamente – e nunca mais participar? A guerra na Líbia suscitou dúvidas, mesmo não sendo um bom exemplo de guerra. A “cultura da restrição” não deve tornar-se sinónimo de uma filosofia moralmente elevada de afastamento a todo o custo.

Alemanha precisa de novos parceiros

Em terceiro lugar, subsiste uma questão nuclear para a Alemanha: Israel. Como irá a Alemanha reagir em setembro quando os palestinianos pedirem o reconhecimento das Nações Unidas? Depois da Primavera Árabe, será possível rejeitar uma coisa destas com desdém? Temos de evitar os rituais deprimentes da diplomacia do Médio Oriente, mas sem nos virarmos contra Israel e contra os Estados Unidos.

A decisão sobre a Líbia levou a Alemanha a criticar a Rússia, a China e a Índia. A Alemanha precisa de novos parceiros estratégicos. Mas não podemos aceitar uma política de não-alinhamento. Precisamos que a Europa aceite, com a China – e a Europa precisa que sejamos nós, em contrapartida, a dar-lhe um certo peso no mundo.

Que Europa é que a Alemanha quer? De que Alemanha é que a Europa precisa? Só quando encontrar uma resposta é que este Governo terá ainda alguma hipótese.

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