Notícias Que futuro para a Europa? / 9

E assim ela avança...

A crise grega, o rigor alemão, o novo equilíbrio mundial: nos últimos meses, a UE foi submetida a duras provas. Mas isso não a impedirá de se construir, sob uma forma ligeiramente diferente, assegura o jornalista e politólogo alemão Josef Joffe.

Publicado em 12 Julho 2010 às 12:03

Nos últimos meses, comparou-se frequentemente Angela Merkel e Helmut Kohl. Timothy Garton Ash afirma que Kohl tinha o sentido da história e que sabia sempre fazer a escolha certa no momento certo. Hoje, e não é o único, acusa a chanceler alemã de ser desprovida de visão histórica e de não ter sido capaz de, no momento crítico da crise grega, consentir em fazer sacrifícios em nome da Europa.

Do final da Segunda Guerra Mundial até à queda do Muro de Berlim, a Europa dos chanceleres alemães era totalmente diferente da Europa atual. O país, no flanco da Europa livre, carregava o peso da herança da Segunda Guerra Mundial e era um campo de batalha potencial para a Guerra Fria. Os políticos alemães da época tinham como principal ambição ganhar a confiança e o respeito dos seus vizinhos, coisa que os sucessivos chanceleres conseguiram perfeitamente. Kohl compreendeu que tinha de propor uma contrapartida para uma reunificação rápida da Alemanha e um reforço do poder germânico. Daí ter-se prestado a financiar a transição para o euro. Era o preço a pagar pela reunificação alemã.

Hoje a situação é totalmente diferente. Em vinte anos, a Alemanha conseguiu ganhar a confiança dos vizinhos pela qualidade da sua democracia e como parceiro fiável, coisa absolutamente inconcebível em 1945. A própria Angela Merkel tem certamente consciência de que, devido ao seu passado, a Alemanha é sempre observada com muita atenção. Mas de que a acusam exatamente os que a criticam?

Garton Ash, por exemplo, acusa-a de ter desligado o “motor” alemão que puxava a Europa para a frente. Não quis, em nome da Europa, ir contra a opinião dos eleitores alemães, ajudando a Grécia em situação de falência.

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Mas se olharmos com um pouco mais de atenção, apercebemo-nos de que, na verdade, Kohl não sacrificou nada pela unificação europeia. Impusemos aos outros países europeus o Pacto de Estabilidade e uma estrita disciplina financeira, uma disciplina tipicamente alemã. O problema é que esse sistema não funcionou. Nem todos os países da União Europeia se colaram a essa disciplina e muitos mentiram sobre as suas contas públicas.

Em que medida a Alemanha tem necessidade da União Europeia? Porque deveria aceitar fazer mais sacrifícios financeiros?

A Alemanha é, dos grandes países europeus, a que tem mais necessidade da UE. Um desmoronamento da UE teria consequências catastróficas para a Alemanha, cuja economia depende em quase 50% das suas exportações. Um desaparecimento do euro teria como efeito fazer subir o valor da moeda alemã, destruindo assim o nosso modelo económico, que depende das exportações.

Mas mesmo assim, Angela Merkel não devia ter ignorado a opinião dos eleitores alemães e salvo a Grécia bastante mais cedo?

Penso que a chanceler alemã agiu de forma responsável. Quis também exercer uma certa pressão sobre os Estados em dificuldades, mostrar-lhes que a Alemanha não pagaria tudo. Acho que isso funcionou. A Espanha, Portugal e a Grécia comprometeram-se a, doravante, executar uma disciplina orçamental rigorosa. Não compreendo as acusações de egoísmo e de nacionalismo contra a Alemanha. Ainda mais quando se sabe que são agora os contribuintes alemães que financiam a maior parte do plano de salvamento. É realmente tudo menos um comportamento antieuropeu…

Que ensinamentos tira da crise grega para a Europa?

Para mim, a maior lição que tiro desta crise é que a Europa funciona. Realmente, passámos por longas semanas de adiamentos, tergiversações e incertezas. Mas no final, a Europa desbloqueou, no total, 750 mil milhões de euros. Depois disso, ninguém pode dizer que a UE é incapaz de agir.

Quais serão, na sua opinião, as principais ameaças que pesarão, no próximo ano, sobre a UE?

Serão de ordem geopolítica. São todas as questões em torno das quais a Europa não consegue apresentar uma frente unida. A Turquia afasta-se da Europa e propõe-se ser uma potência dominante no Médio Oriente. O Egito está hoje em estagnação, ameaçado de soçobrar no caos. Há países beligerantes, como o Irão ou a Síria. O eixo crítico vai de Ancara a Cabul. E a UE não sabe que posição adotar. Os políticos europeus entendem-se mais facilmente sobre questões económicas do que estratégicas.

Cada vez mais comentaristas, nomeadamente Niall Ferguson, historiador económico afamado, afirma que a UE está hoje confrontada com um grande dilema: ou consegue realmente comprometer-se num processo de unificação política, ou será levada, mais cedo ou mais tarde, a desaparecer.

Não penso se que deva ver as coisas de forma tão radical. Constatou-se que não podemos realmente ter uma moeda única, o euro, sem uma maior coordenação económica, o que constitui, com efeito, um passo para a unificação política. Os que, por essa razão – e eu era um deles –, criticaram a introdução do euro, diziam já isso há 15 anos. Mas o raciocínio que consiste em pôr em alternativa a criação dos Estados Unidos da Europa e o desaparecimento da UE é falso.

Qual é então a realidade política e económica da Europa?

Não devemos considerar a Europa em termos dessa alternativa. Não é uma espécie de catedral que se constrói segundo um plano definido. É mais um recife de coral que cresce de forma caótica. Foi assim que a Europa nasceu e é assim que vai continuar a evoluir.

Até onde, na sua opinião, irá a centralização da UE?

De momento, acho que se concretizará apenas através de um maior respeito do Pacto de Estabilidade, que se irá tornando mais rigoroso. O desejo de Nicolas Sarkozy em ver afirmar-se uma União Europeia totalmente centralizada, com uma política económica comum, não pode ser satisfeito, porque se defrontam aqui duas culturas: a cultura alemã e a cultura francesa. A primeira pretende muito mais reformas internas, de mercado e de disciplina, a segunda apela mais à centralização, ao estatismo e à expansão. Os sonhos de Sarkozy não podem ser satisfeitos.

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