A situação está cada vez mais perigosa. Numa altura em que a Europa atravessa uma das mais graves crises da sua história, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy continuam sem encontrar um patamar de entendimento. É difícil expressar o que foi mais penoso no seu encontro falhado de há duas semanas e no espectáculo que deram na conferência de imprensa de 14 de Junho, em Berlim. A verdade é que a animosidade não pára de crescer de ambos os lados.
Algo mudou, ainda que os conhecedores da história do par franco-alemão insistam que Paris e Berlim sempre brigaram antes de se reconciliarem. Na verdade, durante as primeiras décadas do pós-guerra, as dissensões acabaram sempre em conciliações em torno da moeda, da economia e da Europa. A Guerra Fria obrigava os dois países a entender-se. Na década de 1990, esta premência foi substituída pelas incertezas da nova ordem mundial. A Alemanha e a França olhavam-se nos olhos e diziam: "Não me deixes só!".
Agora, veio a crise, que pôs a nu as fraquezas dos sistemas políticos em que o Presidente e a chanceler tinham construído as suas esperanças. A máquina reformadora de Sarkozy marca passo e os parceiros de Angela Merkel devoram-se uns aos outros no seio da coligação governamental. As coisas vão, pois, de mal a pior. Se ninguém fizer nada, o afastamento entre os dois países não deixará de se aprofundar.
Em Berlim, há a sensação de se estar a assistir a uma conspiração, em que o director do Banco Central Europeu (BCE), o presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) – todos franceses – seriam cúmplices de Nicolas Sarkozy. Barafusta-se contra o "Clube Med" formado pela Grécia, Espanha, Itália e França, que perdoam reciprocamente os pecados financeiros uns dos outros. Mas o alvo preferido continua a ser o ocupante do Eliseu, tão singularmente diferente de nós. E assim se envenenam as relações entre os dois países. Ao fazê-lo, não se perde apenas o que foi adquirido – os fundamentos simbólicos lançados por Charles de Gaulle e Konrad Adenauer, reforçados por Giscard d’ Estaing e Helmut Schmidt, bem como por François Mitterrand e Helmut Kohl. É também um futuro que se esvai.
Apontou-se, antes de mais, às construções europeias, isto é, as políticas de segurança, de energia e do clima. Começou-se depois a falar do fim do euro. Não nos iludamos: estas ideias podem conquistar rapidamente a maioria da opinião pública, nomeadamente em França. Por último, a este ritmo, o mundo será em breve dominado por duas grandes potências: os Estados Unidos e a China. A Europa poderá arrumar o seu modelo social, o seu “soft power” e tudo o que tem para dar ao mundo. Talvez até se divida em duas: o Norte para um lado, o Sul para o outro.
A Alemanha ficaria então um peso pesado no continente, mas recuava várias posições a nível internacional. Sem a Europa, a França, que precisa absolutamente de se abrir à globalização, ver-se-ia imediatamente ameaçada de "nanização".
Os dois países esqueceram-se realmente de quem são? Juntos, produzem quase metade da riqueza da União Europeia, representam um terço da população da UE e dispõem de 31% dos votos no Conselho Europeu. Aos seus governantes, não se pode exigir menos do que a recuperação das respectivas situações internas e que ponham na ordem a Europa: "Acabaram-se as brigas e cartas comuns à imprensa, ao presidente da Comissão, ao presidente do Conselho Europeu ou os chefes de Estado do G-20! Voltemos à política séria", gostaríamos de os ouvir dizer.
Paris e Berlim podiam, por exemplo, começar por chegar a acordo em que, ao cabo de trinta anos de negligência, a França pusesse ordem nas suas finanças e a Alemanha se centrasse na sua procura interna, ainda que isso custe a ambas. Depois, podiam resolver nunca mais se armarem em cavaleiros solitários, em nenhum domínio.