Esqueçam o orçamento, temos problemas mais urgentes

A incapacidade dos líderes da UE em chegarem a acordo sobre o orçamento é, em grande parte, simbólica numa altura em que as negociações dizem respeito apenas a uma parte muito pequena da riqueza da União Europeia. Mais importante para o futuro da UE é a eficiência do mercado interno e das relações entre os países, dentro e fora da zona de moeda.

Publicado em 26 Novembro 2012 às 16:01

Uma das coisas curiosas sobre a UE é a previsível relação inversa entre a quantidade de dinheiro em jogo e o tempo gasto nas negociações. Nada ilustra isso tão bem como o terrível espetáculo das negociações do orçamento da UE.

Não nos deixemos enganar pelo montante de um bilião de euros. Esse dinheiro será gasto ao longo de sete anos, durante os quais a previsão de produto interno bruto da UE é de cerca de 100 biliões. A disputa não é sobre o orçamento em si mas apenas sobre 3% do orçamento. Medido em termos de produto interno bruto da UE, as somas em disputa traduzem-se em cerca de 0,03 por cento. Seria um ato de temeridade aritmética atribuir-lhe qualquer significado macroeconómico.

Por outro lado, resolver a crise da zona euro custará muito dinheiro e terá verdadeiro significado na economia. Era isso que os líderes da UE deviam estar a discutir, não o orçamento da UE.

Mercado único estagnado

A singular importância das negociações orçamentais, e da insistência do primeiro-ministro britânico, David Cameron, num congelamento do orçamento da UE, está no que elas revelam sobre o futuro da própria União Europeia. Um orçamento congelado significa que a UE ficará presa ao que ele permite. Esqueçamos a Agenda 2020 ou qualquer outra pretensão de políticas de crescimento. O principal projeto da UE continua a ser um mercado único paralisado.

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O mercado único tem sido um programa exagerado e, sobretudo, dececionante, sem qualquer impacto mensurável no PIB. Não abrange a maior parte dos serviços, nem grande parte da economia. Durante a crise, os governos têm feito regredir o mercado único na área da finança. A energia também é tratada pelos Estados-membros como um assunto interno. As aquisições da Defesa nunca fizeram parte desse mercado. Sempre achei que a função mais útil do mercado único era servir para ser elogiado nos discursos após os jantares oficiais.

O que as tensas negociações sobre o orçamento nos dizem é que o processo de integração europeia – a nível da UE – está em grande parte concluído. Nesse sentido, pouco importa, por exemplo, se o Reino Unido fica dentro ou fora. Saindo formalmente da UE, o Reino Unido não precisaria de abrir mão dos direitos existentes, incluindo o direito a trabalhar e viver na UE e, evidentemente, o acesso ao mercado único – seja lá o que for que isso valha. Os termos da saída da UE são livremente negociáveis. Mesmo agora, para além da temperatura, não há grande diferença entre o Reino Unido, membro da UE, e a Noruega, que não é membro da UE.

Enquadramento legal

À UE de hoje faltam duas funções importantes. Alguns leitores acharam a minha lista chocantemente curta. A primeira é a que provê as instituições e o enquadramento legal da zona euro com soluções para sair da crise. Não estou a dizer que a zona euro atingirá necessariamente esse objetivo. Há uma grande probabilidade de o não atingir.

Mas se isso acontecer, acabará por usurpar o mercado único e muito provavelmente irá transformá-lo em qualquer coisa útil.

A união bancária poderá ser um primeiro passo para um mercado único financeiro na zona euro. Em última análise, também espero que haja um mercado de trabalho e serviços, a nível da zona euro. Se houver uma união financeira, o seu orçamento será muito maior do que o da UE, mas também será diferente na sua composição – para cumprir o propósito macroeconómico da estabilização.

A segunda importante função da UE é servir de sala de espera para os Estados-membros que ainda não estão na zona euro, mas que, num futuro mais ou menos distante, querem entrar. A verdadeira linha divisória dentro da UE não é entre os 17 membros da zona euro e os dez não membros, mas entre o grupo dos de “dentro” e “pré-dentro” e o grupo dos de “fora”. O Reino Unido está, claramente, neste último grupo, tal como a República Checa. A Dinamarca e a Suécia também, embora um pouco mais perto da zona de fronteira.

Divórcio inevitável

No final, pouco importará se os de “fora” deixam formalmente a UE, se ficam complacentemente à margem ou se é a zona euro que os deixa. A dada altura, provavelmente daqui a uns anos, terá de haver um divórcio atribulado. Poderá ter várias formas. Uma separação formal é apenas uma das muitas possibilidades. Mas não é sustentável que um grupo de permanentes “outsiders” goze de direitos permanentes de codecisão, apesar da UE se mostrar infinitamente paciente quando se trata de aceitar soluções transitórias. A realidade é que não há uma biosfera sustentável fora da zona euro mas dentro da UE.

A marginalização da UE à custa da zona euro também tem implicações para outras políticas, como as políticas externa e de segurança, e também para o alargamento da UE. Ao insistir no congelamento do orçamento da UE, em última análise, Cameron está a fazer um favor à zona euro. Ao minar a UE, está a dar mais incentivos à zona euro para atingir o seu objetivo coletivo. Tem o meu apoio.

Instituições europeias

Funcionários públicos exigentes

Nas negociações do orçamento da UE, os estados-membros não são os únicos a defender os seus interesses particulares. O Frankfurter Allgemeine Zeitung denuncia “o egocentrismo das instituições”, que reclamam um aumento dos recursos próprios e exigem cortes orçamentais nos países membros. 6% do orçamento europeu para 2014-2020 será pois consagrado à administração comunitária. O diário alemão considera que,

num prolongado período de austeridade, não se justifica poupar o pessoal da UE aos anos de experiência dos funcionários e dos assalariados nacionais por toda a Europa. [...] Em Bruxelas, é de bom-tom vociferar contra os governos nacionais e igualar os interesses próprios e o bem comum europeu. Este egocentrismo representa o verdadeiro défice democrático da UE.

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