Europa e América afundam-se em conjunto

Tanto a UE como os Estados Unidos têm tentado resolver a crise económica com os seus próprios, e diferentes, meios. Um erro enorme, defense Gideon Rachman, já que os problemas são essencialmente os mesmos.

Publicado em 5 Julho 2011 às 13:31

Em Washington discute-se o teto da dívida; em Bruxelas olha-se para o abismo da dívida. Mas o problema básico é o mesmo. Nos Estados Unidos como na Europa, as finanças públicas estão fora de controlo e os sistemas políticos são excessivamente disfuncionais para conseguirem resolver o problema. A América e a Europa estão a afundar-se no mesmo barco.

Os debates sobre a dívida, em curso nos Estados Unidos e na UE, são tão virados para dentro e tão extenuantes que muito poucas pessoas fizeram a ligação. No entanto, os factos que fazem com que seja uma crise generalizada do Ocidente deviam ser óbvios.

Dos dois lados do Atlântico, é agora claro que muito do crescimento económico dos anos anteriores à crise foi conseguido à custa de um boom insustentável e perigoso do crédito. Nos Estados Unidos os proprietários imobiliários estiveram no centro da crise; na Europa, foram países inteiros, como a Grécia e a Itália, que aproveitaram a baixa das taxas de juro para contraírem empréstimos que não podem pagar.

A crise financeira de 2008 e as suas consequências foram um duro golpe para as finanças dos Estados, fazendo as dívidas públicas aumentarem. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, este choque comum foi agravado pelas pressões demográficas que aumentaram as pressões orçamentais, uma vez que a geração dos baby-boomers [geração nascida após a II Guerra Mundial, quando a taxa de natalidade disparou] começa a reformar-se.

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Por fim, de ambos os lados do Atlântico, a crise económica está a polarizar a política, tornando mais difícil encontrar soluções racionais para o problema da dívida. Os movimentos populistas ganham terreno – quer se trate do Tea Party, nos Estados Unidos, ou osPartido da Liberdadee Verdadeiros Finlandeses, na Europa.

A ideia de que a Europa e os Estados Unidos representam duas faces da mesma crise tem sido difícil de desfazer porque, durante muitos anos, as elites dos dois lados do Atlântico fizeram questão de sublinhar as diferenças entre os modelos norte-americano e europeu. Perdi a conta ao número de conferências a que assisti, na Europa, em que o debate se fazia entre dois campos: um, defendia que se caminhasse para um “mercado de trabalho flexível”, ao estilo americano, e o outro defendia apaixonadamente o modelo social europeu, que foi criado contra a América. O debate político da Europa era semelhante. Havia um grupo que queria ver Bruxelas emular Washington e tornar-se a capital de uma verdadeira união federal; e outro que insistia que era impossível a criação dos Estados Unidos da Europa. Os dois lados estavam de acordo, no entanto, quanto à convicção de que económica, política e estrategicamente, a Europa e os Estados Unidos eram planetas diferentes – “Marte e Vénus”, como lhes chamou o professor norte-americano Robert Kagan.

O debate político nos Estados Unidos ainda usa a diferença em relação à Europa como ponto de referência. A acusação de que Barack Obama estava a importar um “socialismo de estilo europeu” foi usada para pintar o presidente como não americano. Alguma esquerda olha para a Europa como um sítio onde as coisas são feitas de forma diferente e, em alguns aspetos, melhor – como é o caso do sistema universal de saúde que abrange todos os cidadãos.

No entanto, as semelhanças entre os dilemas da Europa e da América são agora muito maiores do que as diferenças – os pontos comuns são: escalada da dívida, economia fraca, aumento das despesas e um Estado Providência irreformável, medo do futuro e impasse político.

A luta dos Estados Unidos para controlar os custos da Segurança Social e da Medicare é muito parecida com a dos líderes europeus, que também batalham para cortarem custos nas pensões e no sistema de saúde. Muitos europeus pensavam que os políticos americanos tinham a grande vantagem de trabalharem num verdadeiro sistema federal. Alguns ainda defendem que a única maneira de garantir a estabilidade do euro, a longo prazo, é caminhar para um “federalismo fiscal” à semelhança do que existe nos Estados Unidos. No entanto, neste momento, a política de Washington é ainda mais disfuncional do que a de Bruxelas. A aparente impossibilidade de se fazer um debate sério sobre a dívida e os gastos (para já não falar em resolver o problema) faz com que o sistema político norte-americano seja um modelo olhado com desconfiança pela Europa.

É claro que ainda há diferenças marcantes nos debates de um lado e do outro do Atlântico. O dólar tem, atrás de si, uma sólida história de credibilidade. O euro existe há pouco mais que uma década. A divisão política entre as nações é a principal responsável pela paralisação do sistema europeu. Nos Estados Unidos não há paralelo para a amargura que divide gregos e alemães. Na Europa, é incontroversa a ideia de que o aumento de impostos pode ser parte da solução para o crescimento da dívida. Nos Estados Unidos, a oposição republicana põe a própria noção de aumento de impostos no centro da discussão política.

Concentrados nos seus próprios problemas e diferenças, norte-americanos e europeus têm sido lentos a ver as ligações existentes entre as suas crises gémeas. Mas no resto do mundo os analistas estão mais dispostos a encontrarem as tendências comuns. Entre os líderes e os intelectuais chineses, é agora uma prática corrente sugerir que os ocidentais, seja de que área for, deixem de tentar “dar lições à China” – dado a profundidade dos seus próprios problemas políticos e económicos.

Os críticos chineses do ocidente olham para os dilemas da Europa e dos Estados Unidos com a cruel clareza que o distanciamento lhes concede. No entanto, os seus orgulho e confiança correm o risco de empalidecer, na medida em que o crescimento da China, da Índia e dos outros depende de um Ocidente próspero e confiante. Se a doença do Ocidente se agravar, haverá a tentação de experimentar curas novas e mais radicais. Podem incluir caminhos que levam ao protecionismo e ao controlo de capitais. Se a globalização se inverter, então, a China poderá experimentar a sua própria crise política e económica.

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