Venham os chineses. Contentores no porto de Piraeus, Grécia.

Europa, um mercado chave para a China

Com a recente assinatura de um contrato de aluguer do porto de Pireu, no valor de 3,3 mil milhões de euros, a China estabeleceu uma posição segura na Europa. O Daily Telegraph descreve a estratégia do Império do Meio de investir nas economias europeias que lutam para sair da crise global.

Publicado em 7 Julho 2010
Venham os chineses. Contentores no porto de Piraeus, Grécia.

Golfis Yiannis está na doca do porto ateniense do Pireu, impávido entre as nuvens de pó levantadas pelos camiões ruidosos e pelas empilhadoras barulhentas que descarregam os enormes navios porta-contentores. "Isto aqui é a nova China Town da Europa", comenta, apontando para o molhe próximo do sítio onde se encontra. "A verdade é que vendemos a alma aos chineses." O Molhe Dois do porto de contentores, onde Golfis Yiannis, que tem 48 anos, trabalhou durante 22, apresenta exatamente o mesmo aspeto do Molhe Um – maior, sem dúvida, mas, como ele, ladeado por navios gigantescos e cheio de contentores enormes, que parecem Legos. Só que o Molhe Um é grego e o Molhe Dois é agora chinês.

Em junho, o gigante estatal naval chinês Cosco assumiu o controlo do Molhe Dois, após a assinatura de um contrato por 35 anos, no valor de 3,3 mil milhões de euros, tendo investido 564 milhões de euros na modernização das instalações portuárias, construído o novo Molhe Três e quase triplicado o volume de carga que o porto pode comportar. Atualmente, o porto para contentores, mesmo ao lado do ancoradouro de ferries que é a via de acesso às ilhas gregas utilizada pelos turistas, tem capacidade para descarregar 1,8 milhões de contentores por ano – o que significa que, em cada dia, chegarão e partirão 5 mil contentores.

Numa altura em que muitos investidores fogem deste país europeu, a China vê uma oportunidade para avançar decididamente na Europa, comprando ativos chave a preços aliciantes e obtendo acesso aos seus valiosos mercados. Os chineses pretendem criar uma rede de portos, centros de logística e caminhos-de-ferro para distribuírem os seus produtos por toda a Europa – basicamente uma Rota da Seda moderna – que acelerará o ritmo do comércio entre o Oriente e o Ocidente e estabelecerá uma posição económica valiosa no continente. O seu objetivo é fazer deste porto de contentores um eixo central capaz de concorrer com Roterdão – o maior porto da Europa.

Chineses querem ajudar a economia grega

Newsletter em português

"Os chineses querem uma porta de entrada na Europa", disse o vice-primeiro-ministro, Theodoros Pangalos. "Não são como os [investidores] de Wall Street, que promovem investimentos financeiros em papel. Os chineses lidam com coisas reais. E vão ajudar a economia real na Grécia." Não é a primeira vez que a China vê oportunidades naquilo que outros vêm como sendo adverso. Com uma economia em grande expansão e uma moeda forte, os chineses fizeram vários investimentos polémicos em minas e infraestruturas em África, que, segundo os críticos, lhes permitem obter matérias-primas valiosas com pouco benefício para as economias locais.

Os trabalhadores do porto sentem-se nervosos quanto às implicações a longo prazo de ser permitido à China tirar partido da fragilidade económica do país e assumir uma posição tão importante numa parte fundamental da economia nacional. No seu gabinete no sindicato, com vista para o porto e para a confusão de edifícios altos que cobrem as colinas do Pireu, George Nouhoutides, presidente do Sindicato dos Estivadores, disse que o contrato era "uma catástrofe". "Quando se discute um acordo entre o país rico e um país que tem uma grande dívida, quem é que dita as regras?", perguntou. "A China quer o seu rótulo 'Made in Europe' com isenções fiscais e em termos favoráveis e os interesses gregos que vão para o inferno."

George Nouhoutides – que nasceu a dois quarteirões do porto e que trabalhou ali durante 34 anos – acrescentou: "Fizeram uma boa jogada. Têm 1,5 mil milhões de escravos e dinheiro para desperdiçar e, por isso, é óbvio que querem ter acesso aos nossos mercados. É uma catástrofe para todos os trabalhadores – e não apenas para os gregos." Contudo, Katinka Barysch, subdiretora do Centre for European Reform, diz que não é provável que o investimento chinês na Grécia tenha uma tal natureza "de abutre". "O perigo de a Cosco se comportar como algumas das empresas mineiras e petrolíferas chinesas em África é bastante reduzido", disse. "A Grécia é um Estado-membro da UE e, por isso, tem um quadro legislativo mais sólido. Há limitações claras quanto àquilo que os investidores estrangeiros podem e não podem fazer."

Pireu pode ser a primeira etapa das ambições chinesas na Grécia

O investimento chinês no Pireu é apenas o início de um projeto mais vasto, destinado a obter acesso aos mercados europeus. Num momento em que países como a Espanha, Portugal e a Irlanda lutam com os respetivos encargos financeiros, a China está de olhos postos em oportunidades de investimento potencialmente irresistíveis. Este mês, um grupo de industriais chineses espera obter a aprovação para desenvolver um projeto de 48 milhões de euros em Athlone, no centro da Irlanda, e iniciar a construção de escolas, apartamentos, caminhos-de-ferro e fábricas, para fabricar produtos chineses. Os chineses tencionam enviar para ali dois mil trabalhadores chineses, para a construção do empreendimento e, eventualmente, contratarão oito mil irlandeses para esta iniciativa, localmente designada como "Beijing-on-Shannon".

O Pireu poderá revelar-se como a primeira etapa das ambições da China na Grécia. No final do ano, a China deverá apresentar uma proposta conjunta com uma empresa grega para a criação de um centro de logística, no valor de 200 milhões de euros, na região de Ática, perto do porto, para distribuição de produtos chineses nos Balcãs e no resto do continente. O porto do Pireu tem uma posição estratégica em relação ao Bósforo e também constitui uma via de acesso à região do Mar Negro, à Ásia Central e à Rússia.

No entanto, apesar de os chineses estarem indiscutivelmente envolvidos nos assuntos de Atenas, a sua presença física é decididamente limitada. No ligeiramente degradado bairro de imigrantes de Omonia, onde hipermercados chineses de segunda vendem bijutaria de plástico, objetos para o lar e roupas de nylon – tudo barato – os poucos chineses que circulam pelas ruas afirmam nunca ter ouvido falar da Cosco e afastam-se a toda a pressa. Membros do pessoal dos escritórios da empresa naval, situados num edifício de escritórios perto do terminal dos barcos de passageiros, disseram que, das 45 pessoas que ali trabalham, apenas o diretor e o diretor financeiro eram chineses. Nas instalações do terminal do porto, apenas dez dos 250 membros do pessoal são chineses, que ocupam posições administrativas e de gestão.

Mas não há dúvida de que os chineses estão a deixar a sua marca. E, tendo os bolsos cheios e uma ambição aparentemente sem limites, o mais provável é serem bem sucedidos. O CEO da Cosco, Wei Jiafu, disse recentemente numa entrevista à televisão grega: "Vim para aqui para ajudar a restituir ao porto do Pireu a sua antiga posição. Espero que, dentro de um ano, ele seja o primeiro porto de contentores do Mediterrâneo. Na China, temos um ditado que diz: ‘Constrói o ninho da águia e a águia há de vir.’ Nós construímos esse ninho no vosso país, para atrair as águias chinesas. É este o contributo que vos damos”.

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!