Prisão de Goli Otok. Foto de Kristoforina.

Goli Otok: pesadelos do passado

O Marechal Tito instalou um 'campo de reeducação' nesta ilha, e o pesadelo, que terminou em 1989, durou 40 anos. Agora, que a ilha vai acolher um centro de memória e documentação, os antigos prisioneiros ainda têm um longo combate a travar para lidar com tudo o que passaram. Reportagem do diário holandês Trouw.

Publicado em 3 Agosto 2009 às 14:07
Prisão de Goli Otok. Foto de Kristoforina.

Estamos em 1949, à meia-noite, numa cela sombria no Montenegro. Dmitar Kastratovic, um estudante de 18 anos, está sentado de mãos atadas atrás das costas. Chefe local da Juventude do Partido Comunista, foi detido dez dias antes por posse de um jornal soviético ilegal. “Quem leva a melhor, Tito ou Estaline?”, pergunta o agente da polícia secreta, apontando a pistola ao peito de Kastratovic. Este acaba por responder: “Estaline”. Dois dias depois, é enclausurado na prisão de Goli Otok, durante quase três anos.

Kastratovic tem hoje quase 80 anos e as suas lembranças deste período atroz continuam a povoar-lhe os pesadelos. Recorda-se de trabalhar durante horas sob um sol inclemente, sem direito a água. “Às vezes, davam-nos apenas quatro feijões e quando os guardas ouviam alguém queixar-se com fome, todos eram punidos. Obrigavam-nos a correr durante horas e batiam-nos com matracas até cairmos”.

As torturas sofridas em Goli Otok custaram-lhe um rim e sofre ainda de graves dores de cabeça. As imagens dos amigos que se suicidaram saltando dos rochedos ou que morreram de esgotamento continuam a atormentar-lhe os sonhos. Mandavam-no levar os corpos para o outro lado da ilha e enterrá-los sem pás. Goli Otok ("a ilha nua") está hoje aberta ao público. “Mas não se encontra lá o tipo de informações que dá a exposição de Zagreb”, diz Sacha Zanko, croata, chefe de projecto do Instituto Berlage de Roterdão, uma instituição internacional para formação de arquitectos e urbanistas. Em colaboração com a Associação de Arquitectos de Zagreb e a organização croata de antigos prisioneiros Ante Zemljar, o instituto holandês decidiu adaptarGoli Otok, transformando-a num memorial.

A exposição de Zagreb apresenta documentários e fotografias, bem como estátuas realizadas por ex-prisioneiros. Estes esperam que um memorial ajude a rectificar a concepção errónea segundo a qual a Jugoslávia era um país exemplar, antes da sua desintegração nos anos 90. “Goli Otok era um Gulag jugoslavo, um campo de trabalho para onde eram enviados os estalinistas e os opositores de Tito para ‘reeducação'”, explica Tvrtko Jakobina, historiador na Universidade de Zagreb.

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No início dos anos 1990, Berislav Jandric, historiador associado ao Instituto Histórico Croata de Zagreb, tentou fazer investigações sobre as actividades da polícia secreta do regime comunista entre 1949-1953. “As autoridades croatas de então proibiram-me de publicar os nomes dos guardas, com medo de serem processadas por violação dos direitos humanos”.

Os ex-prisioneiros há anos que se batem, sem grande sucesso, em prol da sua reabilitação. Os antigos guardas nunca foram julgados. Após a implosão da Jugoslávia, no início dos anos 90, os antigos prisioneiros viram-se repartidos por diversos países. Assim, o combate por reconhecimento e indemnização tornou-se ainda mais difícil.

Os arquitectos tomaram a iniciativa de recuperar este sítio simbólico como pólo de atracção turística e como memorial. O coordenador do projecto, Sacha Zanko, declara: “Comparo sempre a ilha a Robben Island [onde esteve detido Nelson Mandela]: temos de criar uma atracção turística respeitando os antigos prisioneiros”.

A exposição “Human Scale of Goli Otok” está patente até 8 de Setembro, em Zagreb.

História

"Inferno no mar Adriático"

O campo de Goli Otok foi aberto em 1949, um ano após a ruptura das relações políticas e económicas entre Tito e Estaline. “Isolado entre o Ocidente e a União Soviética, o Chefe do Estado jugoslavo tentou fundar um novo Estado, unificando o país, etnicamente dividido”, explica o jornal Trouw. “Os que se lhe opunham eram enviados para um campo penitenciário, nomeadamente o de Goli Otok, cognominado ‘o inferno do mar Adriático', para meditarem sobre os seus ‘pecados’.”

O campo foi fechado em 1989. "Continua sem se saber exactamente quantos prisioneiros teve e quais os que ainda estão vivos”, observa Berislav Jandric, historiador associado ao Instituto de História Croata de Zagreb. Calcula-se o seu número entre 15.000 e 50.000.

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