O Diário de Anne Frank. © www.annefrank.org

Histórias privadas do Mundo

Na Alemanha, em Itália, ou em França, as cidades arquivam os diários pessoais de gente vulgar – uma forma de dar corpo à História.

Publicado em 25 Fevereiro 2010 às 09:18
O Diário de Anne Frank. © www.annefrank.org

Uma mala velha reina sobre a mesa. “Acabou de chegar”, diz Gerhard Seitz, abrindo-a com cuidado. Pega numas fotografias e nuns cadernos, que revelam ser o diário de uma artista de variedades alemã que atingiu o ponto de glória nos anos 1930. Depois da sua morte, a mala apareceu numa feira da ladra, em Berlim. Alguém a comprou e mandou-a a Gerhard Seitz com tudo o que lá estava dentro.

Seitz é director doDeutsches Tagebucharchiv, o arquivo alemão de diários pessoais, que funciona em Emmendingen, uma pequena cidade na Floresta Negra. “Recebemos muitas vezes revelações deste género”, comenta. Desde que Frauke von Troschke criou este centro de documentação, em 1998, todos os anos chegam mais de 200 diários íntimos, inclusive de pessoas ainda vivas. Os diários devem satisfazer dois critérios: estarem redigidos em alemão e nunca terem sido publicados.

Três divisões sombrias do velho edifício da Câmara Municipal de Emmendingen albergam esta impressionante colecção de cadernos, blocos de notas e diários, por vezes compilada com grande profissionalismo. O documento mais antigo – um diário de viagens matizado, no qual o autor se interessa sobretudo pelas características psicológicas das rapariguinhas que cruzam o seu caminho – data do início do século XlX. As narrativas mais impressionantes são os cadernos de guerra. "De vez em quando, há alguém que nos manda um diário com o relato das coisas terríveis que fez durante a guerra", acrescenta Seitz. "Estas pessoas não têm coragem de falar das suas experiências, mas desejam, mesmo assim, registá-las.

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Von Troschke criou o arquivo depois de visitar o da pequena cidade italiana de Pieve Santo Stefano, criado em 1984. É um sítio onde podemos depositar estas recordações e ter a certeza de que serão conservadas. Os fundadores do arquivo italiano deixaram-se guiar pela certeza de que não são apenas os soberanos, os generais e os militares que fazem a História, mas também as pessoas comuns.

"Narrativas autobiográficas deste tipo dão corpo à História", considera Seitz. “É claro que temos uma grande quantidade de diários íntimos, mas trata-se, quase sempre, de diários de pessoas célebres, escritores e políticos. O que nos interessa são as experiências do comum dos mortais.

Também há um arquivo de diários íntimos em França. Em 1992, a Biblioteca Municipal de Nyon [nas margens do Lago Léman, na Suíça] organizou uma exposição de diários e de correspondência inédita. Um dos fundadores, Philippe Lejeune, criou nesse mesmo ano, com outros adeptos, a Autobiographical Heritage Association (Associação para o Património Autobiográfico), que reúne os diários íntimos na Biblioteca Municipal de Ambérieu-en-Bugey, perto de Lyon.

Anne Frank e uma multidão de desconhecidos

No que toca a relatos de vidas de gente comum, os holandeses são pioneiros. Em 1944, o ministro da Educação Gerrit Bolkestein pediu a todos os cidadãos, pela Radio Oranje, que conservassem os textos escritos sobre as suas experiências quotidianas. As razões que o moveram foram idênticas às de von Troschke ou Lejeune. Em 1946, o então recém-criado Instituto de Documentação de Guerra da Holanda (NIOD, na sigla neerlandesa) pediu aos holandeses os seus diários, correspondência e fotografias de guerra. Milhares de pessoas responderam ao pedido. Não tardou muito a que o Instituto ficasse na posse de uma magnífica colecção de cadernos de guerra – nomeadamente os de Anne Frank, mas também de um grande número de pessoas anónimas.

Também é possível encontrar diários íntimos no ALETTA (Instituto de História das Mulheres). Os escritos anteriores a 1918 são inventariados, desde a década de 1990, na Universidade Erasmo de Roterdão. Suponhamos que tem em seu poder um diário posterior a 1918 e sem relação directa, nem com a guerra, nem com o feminismo. Onde poderá deixá-lo em segurança? Por outras palavras, onde ficam os arquivos neerlandeses dos diários íntimos? Em lado nenhum, infelizmente.

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