Automóveis SUV da Ford na fábrica de Dearborn, Michigan, EUA, em 2006 (AFP)

'Homo Economicus' passa por cima de tudo

O provável fiasco da cimeira do clima em Copenhaga, que visava progressos no combate ao aquecimento global, fica a dever-se à falta de imaginação de uma Humanidade que já não consegue viver com restrições. Eis um apelo apaixonado do escritor e ambientalista britânico George Monbiot.

Publicado em 17 Dezembro 2009 às 15:55
Automóveis SUV da Ford na fábrica de Dearborn, Michigan, EUA, em 2006 (AFP)

Este é o momento em que nos voltamos e nos encaramos a nós próprios. Aqui, nos corredores de plástico e nas primeiras filas apinhadas, entre textos impenetráveis e procedimentos complicados, a Humanidade decide o que é e o que vai ser. Vai optar entre continuar a viver como tem vivido, até ter de transformar a sua casa em deserto, ou parar e redefinir-se a si própria. Isto tem que ver com muito mais do que as alterações climáticas. Tem que ver connosco. A reunião de Copenhaga coloca-nos diante da nossa tragédia primordial. Somos o macaco universal, dotado da ingenuidade e da beligerância que o levam a abater presas muito maiores do que ele mesmo, a irromper por novas terras, a rugir o seu desafio perante as limitações naturais. Por outro lado, a cimeira parte da premissa de que a época do heroísmo chegou ao fim. Entrámos na era da acomodação. Não podemos continuar a viver sem limites. Agora, temos de estar atentos às vidas dos outros, de ser cautelosos, contidos, meticulosos em tudo o que fazemos.

Não podemos continuar a viver o momento, como se não houvesse amanhã. Esta não é apenas uma reunião sobre gases com efeito de estufa que pairam na atmosfera. É também uma batalha entre duas visões do mundo. Os homens irados que procuram travar este acordo e quaisquer limites do mesmo tipo à concretização dos seus objectivos perceberam isso melhor do que nós. Há um novo movimento, mais visível na América do Norte e na Austrália, mas que agora surge por todo o lado, que pretende que passemos por cima das vidas dos outros, como se isso fosse um direito humano. Os seus adeptos não querem ser alvo de limitações de impostos, leis sobre armas, regulamentos, saúde e segurança e, em especial, normas ambientais. Sabem que os combustíveis fósseis permitiram ao macaco universal ir muito além dos seus sonhos do Paleolítico. Por um momento, por um maravilhoso momento-limite, permitiram-nos viver num descuido idílico.

Novas linhas de batalha

A Humanidade já não se divide entre conservadores e liberais, entre reaccionários e progressistas. Hoje, as linhas de batalha traçam-se entre expansionistas e restricionistas; entre aqueles que acreditam que não deve haver obstáculos e aqueles que acreditam que temos de viver dentro de limites. As violentas batalhas que vimos até agora, entre verdes e aqueles que negam as alterações climáticas, são apenas o começo. Esta guerra tornar-se-á mais hedionda à medida que as pessoas se opuserem aos limites que a decência impõe.

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Apesar de os delegados começarem a dar-se conta da escala da sua responsabilidade, continuo a achar que irão trair-nos. Toda a gente quer a sua última aventura. Entre os representantes oficiais, quase ninguém consegue aceitar as implicações de vivermos dentro das nossas possibilidades, de viver a pensar no amanhã. Dizem a si próprios que haverá sempre uma nova fronteira, uma nova maneira de escaparmos às limitações. O crescimento económico é a fórmula mágica que permite que os nossos conflitos continuem por resolver. À medida que as economias crescem, dizem eles, a justiça social torna-se desnecessária, porque a vida das pessoas pode melhorar, sem redistribuição. À medida que as economias crescem, podemos continuar a pagar para nos livrarmos de problemas.

O problema do abastecimento

Os negociadores presentes na cidade de plástico ainda não levam a sério as alterações climáticas. Aqui, há outra coisa de que não se fala de todo: o abastecimento. A maioria dos Estados nações que se defronta em Copenhaga tem duas políticas para os combustíveis fósseis. Uma consiste em minimizar a procura, incentivando-nos a reduzir o consumo. A outra consiste em maximizar o abastecimento, incentivando as empresas a extraírem do solo tudo o que puderem. As comunicações publicadas na [revista] Nature, em Abril, deram-nos a saber que podemos utilizar um máximo de 60% das reservas actuais de carvão, petróleo e gás, para a temperatura média global não aumentar mais de 2 graus.

Como defendem agora muitos dos países mais pobres, podemos queimar menos, se quisermos impedir que a temperatura suba mais de 1,5º C. Sabemos que o sequestro e armazenamento só são possíveis para uma pequena fracção do carbono contido nesses combustíveis. Há duas conclusões óbvias: os governos têm de decidir quais as reservas existentes de combustíveis fósseis que devem ser deixadas no solo e de adoptar uma moratória mundial para a prospecção de novas reservas. Nenhuma destas propostas foi sequer posta à discussão.

Sondagem

Europa Central não acredita no aquecimento global

A questão das alterações climáticas deixa a Europa Central indiferente, à excepção da Hungria, como escreve o semanário checoRespekt. Segundo uma recente sondagem do Eurobarómetro, "apenas 30% dos polacos estão convencidos de que o clima possa constituir um problema, embora os eslovacos estejam um pouco mais receosos (41%), muito provavelmente por não terem um Václav Klaus [o Presidente checo é céptico quanto às alterações climáticas] e por serem vizinhos dos húngaros que se deparam, cada vez mais, com uma seca que veio alterar as colheitas de Outono". A percentagem de húngaros que reconhece ter medo do clima (52%) é superior à média europeia (47%).

O estado da economia é o que mais preocupa os europeus de Leste: 68% dos lituanos e 71% dos búlgaros temem "uma forte recessão mundial" e os checos (63%) estão mais preocupados com o dinheiro do que com o clima, mesmo que a situação económica do seu país seja bastante menos grave, refere o Respekt, acrescentando: "Os húngaros, cheios de razão para terem receio, são mais optimistas do que os checos (48% de alarmados). Os eslovacos vêm logo a seguir (com 47%) e os polacos até se riem da crise mundial (apenas 25% acreditam numa recessão)".

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