Notícias Protestos na Turquia

Juntos pelo sistema?

As manifestações contra o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdoğan são comparáveis à revolta de Maio de 1968. Mas na altura os jovens nas ruas queriam derrubar o sistema. Hoje lutam para que o Estado-Providência sobreviva.

Publicado em 11 Junho 2013 às 11:45

Há sempre algo inebriante no espetáculo da insurreição popular, quer aconteça em Istambul, Frankfurt, Atenas, Madrid ou Londres. No seu íntimo, cada um encoraja com paixão as lutas pela justiça, pois, do nosso ponto de vista de cidadãos abastados, julgamos que o mundo é injusto – mesmo se na Alemanha já ninguém sofre com a repressão ou a miséria. Cedemos rapidamente a uma visão romântica. Os manifestantes da Praça Taksim vestem t-shirts com imagens do herói da revolução cubana, Che Guevara, como relata o jornalista de uma rádio alemã – induzindo-nos, assim, numa pista errada.

Nos últimos anos o entusiasmo com a contestação transformou-se rapidamente em frustração. Os movimentos na Grécia, Espanha e Grã-Bretanha são um fiasco, à semelhança do movimento mundial dos Occupy. Falta-lhes grandeza revolucionária, brilho e força. Ao observador faltam-lhe pontos de referência. Até porque, mesmo no século XXI, a imagem romântica da revolução que prevalece ainda é a de 1968, o ano de referência.

É difícil escapar à imagem romântica de insurreição. Para alguns, 1968 não passa de um símbolo, que a perceção coletiva associa a todos os acontecimentos importantes desde 1954 a 1973, dos concertos de Bob Dylan às guerrilhas na América Latina, passando pelas barricadas parisienses e pelas festas nos blocos ocupados de apartamentos na Alemanha. A cultura pop está, até hoje, marcada por uma nostalgia desta época revolucionária, que a maioria dos adultos dos nossos dias não viveu, ou apenas experimentou pelo seu olhar de criança. Mas porque influenciaram o curso dos acontecimentos, as revoltas populares e os movimentos de defesa dos direitos civis da nossa época seguem, ainda hoje, o modelo em questão.

Defesa das conquistas do século XX

No entanto, é na estratégia que reside a diferença fundamental entre 1968 e 2013. Em 1968 o objetivo era romper com o passado e mudar o sistema. Em 2013 é preservar o passado e garantir que o estado das coisas mude o mínimo possível. Na Europa e nos Estados Unidos é uma luta pela defesa das conquistas do século XX. Em 1968 queríamos ser o mais diferentes possível dos nossos progenitores. Em 2013 queremos, a qualquer preço, viver tão bem como eles – mas se possível saindo de casa dos pais. Muitos jovens adultos já não têm acesso às carreiras estáveis da geração anterior. E quando acontece uma crise, a liberdade que uma vida profissional nómada oferece, transforma-se rapidamente em pobreza.

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O fenómeno não é recente. A geração “X” já se queixava de não viver tão bem como os seus pais. Estávamos no início da década de 1990. Os estágios, o desenvolvimento liderado pela comunidade, o auto empreendedorismo, mas também a cultura das jovens empresas, em voga atualmente, são outros tantos sinais da rápida degradação das perspetivas burguesas. Entre eles, todas as coisas que os revoltosos de 1968 relacionavam com a vida pequeno-burguesa: a reforma, o acesso à propriedade, os seguros, o contrato de trabalho, os sindicatos, a família. Ainda assim, a burguesia e os trabalhadores lutaram durante um século para conquistar todas estas referências de segurança da pequena burguesia.

Revolta é uma luta pela sobrevivência

Em Espanha e na Grécia já não é possível usufruir deste tipo de vida burguesa. Em Inglaterra e nos Estados Unidos está ameaçada. Já o contexto dos conflitos na Turquia é bem mais complexo do que o dos outros países do Mediterrâneo. Ao lado das t-shirts de Che flutuam bandeiras dos kémalistas conservadores e o estandarte do Islão. Ainda assim, o objetivo é a preservação dos direitos adquiridos e não o derrube do sistema.

A semelhança com a oposição ao projeto da gare ferroviária Estugarda 21 não é uma coincidência. A alteração estrutural não é tão dramática na Alemanha. Os custos da crise do euro são controláveis. Percebemos aqui, também, que este furor revolucionário é apenas a expressão do desespero, que a revolta não é para derrubar o sistema, mas uma luta pela sobrevivência. No entanto, a defesa nunca é tão poderosa como o ataque. Até porque lhe falta o triunfo da conquista.

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