Karlsruhe — o tribunal que poderá enterrar o euro

Enquanto o Tribunal constitucional alemão reúne em Karlsruhe, para examinar o controverso pacote fiscal, Berlim receia que todo o plano de resgate da zona euro possa vir a ser posto em causa. Mas o Spiegel considera que não se trata apenas da Europa, mas também de uma luta entre os poderes executivo e judicial.

Publicado em 10 Julho 2012 às 15:22

A chanceler alemã Angela Merkel raramente demonstra o seu desagrado em relação a qualquer coisa. Um dos seus pontos fortes é a capacidade para esconder as suas emoções, o que explica a surpresa dos seus colegas de partido quando, há duas semanas, o assunto do Tribunal constitucional federal alemão foi levantado numa reunião do comité executivo do seu partido de centro-direita, a União Democrática Cristã (UDC).

Os juízes tinham acabado de advertir Merkel por ter ignorado os direitos do parlamento durante os esforços para salvar o euro. Era já a segunda decisão nesse sentido este ano. Desta vez, a chanceler perdeu a paciência.

Perguntou como poderia seguir políticas razoáveis se tinha que revelar as suas táticas de negociação em cada reunião com um líder europeu. "Isto é demais”, lamentou Merkel. Depressa perceberam que a chanceler vê os juízes como professores de Direito irrealistas e sem qualquer perceção dos desafios da política do dia-a-dia.

A relação entre Berlim e o Tribunal de Karlsruhe nunca foi fácil. O Tribunal Constitucional Federal foi criado em 1951 para garantir que as instituições públicas respeitavam a constituição da recém-fundada República Federal Alemã. Desde então, os políticos no Governo têm considerado o tribunal como um obstáculo, que pode invalidar leis com um simples toque de caneta. Uma frase atribuída ao falecido político do Partido Social Democrático, Herbert Wehner, tornou-se lendária. "Não permitimos que os idiotas de Karlsruhe destruam as nossas políticas."

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Desacordo entre o tribunal e o mundo político

É natural que ocasionalmente haja desacordo entre o tribunal e o mundo político. O papel do tribunal é o de assegurar que o Governo cumpre as diretrizes estabelecidas pela Constituição alemã. Por outro lado, os políticos não apreciam que o tribunal os retrate como indivíduos desonestos que moldam a Constituição de forma a servir os seus acordos de bastidores. O facto de, em geral, os juízes terem um nível de popularidade muito superior ao que os políticos sonhariam ter, também não ajuda muito.

No entanto, desde o início da crise do euro, tem havido mais coisas em jogo do que as vaidades habituais. As decisões de Karlsruhe mais parecem acusações a uma chanceler que, na opinião dos juízes, ignora as regras básicas da democracia através das suas políticas de resgate financeiro.

Obviamente, é responsabilidade dos juízes controlar o executivo sempre que necessário. Mas, em Berlim, há quem suspeite cada vez mais que o tribunal está ao lado dos populistas e eurocéticos que se opõem fundamentalmente ao projeto da integração europeia.

A luta de poder acontece precisamente numa altura em que os juízes estão sujeitos a uma responsabilidade histórica. Se travarem os esforços para salvar o euro, é possível que arrastem a Alemanha e a Europa para uma recessão profunda, mas também que estejam a desferir um golpe fatal para a unidade no continente. É por isto que a - agora famosa - frase de Merkel "se o euro falhar, a Europa falha", também pretendia ser um aviso ao tribunal de Karlsruhe.

Outra opção seria alterar a Constituição

Esta semana, a luta de poder entra numa nova fase. Na terça-feira, o tribunal vai analisar os pedidos para uma injunção temporária sobre o fundo permanente de resgate do euro, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), e o pacto fiscal, que pretende obrigar os países signatários a uma disciplina orçamental mais rigorosa.

Em 2009, o tribunal tomou uma decisão em relação ao Tratado de Lisboa que pesou fortemente sobre os políticos. Muitos interpretaram que a decisão significava que os limites da Constituição alemã tinham sido muito ultrapassados, e que só seria possível continuar a integração europeia se os alemães votassem uma nova Constituição.

De qualquer modo, os colaboradores de Merkel já estão a fazer planos para a eventualidade de Karlsruhe vir a impedir uma maior transferência de poder para Bruxelas. Uma opção seria a organização de um convénio constitucional, que constituiria, então, uma base legal completamente nova para o Estado.

Em teoria, esta é uma boa ideia. Na prática, no entanto, um tal convénio ocuparia as energias dos políticos durante anos, precisamente numa altura em que a moeda comum está a vacilar. Não admira que os principais membros da coligação descartem este cenário.

Outra opção seria alterar a Constituição alemã, para que passasse a incluir um novo artigo sobre a Europa. Isto abriria a porta a um processo de integração que resultaria num Estado federal europeu.

Juízes escolhidos nos bastidores

O ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble afirmou que um referendo sobre a Constituição “poderia acontecer mais depressa do que esperaria há alguns meses”. À primeira vista, as palavras de Schäuble sugerem uma rendição à vontade do tribunal constitucional.

Mas, dentro do Governo circula um ponto de vista diferente. Segundo fontes governamentais, Schäuble fez uma ameaça subtil ao tribunal. Se a Constituição fosse absorvida por um Estado federal europeu, isso implicaria uma perda de poder do Tribunal Constitucional. Por isso, assim defende o argumento, o tribunal de Karlsruhe deveria ter cuidado ao atravessar-se no caminho da política de Merkel para a Europa.

Os pró-europeus alinham ao lado de Schäuble nesta luta com o Tribunal Constitucional. Alguns dos seus veredictos "caracterizam-se por uma grande ignorância," segundo Martin Schulz, o presidente social-democrata do Parlamento Europeu.

Os membros do parlamento seriam, talvez, menos sensíveis se os juízes aceitassem os mesmos padrões que estabelecem para os outros. Quando se trata da sua eleição, os juízes não gostam muito de adotar a transparência. Nas últimas seis décadas, os juízes do Tribunal Constitucional foram escolhidos nos bastidores.

Na passada quinta-feira, Karlsruhe analisou se o método de seleção dos juízes do Tribunal Constitucional respeitava a Constituição. Determinou que as decisões tomadas longe dos olhos do público são perfeitamente aceitáveis.

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