"Sim, sou rentável: 6500 despedimentos". Funcionários da Telefónica manifestam-se contra os despedimentos anunciados pela operadora, a 15 de fevereiro, em Barcelona.

Marasmo e crise política

Neste 20 de fevereiro, o discurso anual do chefe do Governo sobre o estado da nação será feito num momento de profunda crise económica, social e institucional que parece não poupar ninguém. Gangrenado pela corrupção, o sistema político ameaça implodir e levar atrás de si a democracia.

Publicado em 20 Fevereiro 2013 às 16:32
"Sim, sou rentável: 6500 despedimentos". Funcionários da Telefónica manifestam-se contra os despedimentos anunciados pela operadora, a 15 de fevereiro, em Barcelona.

Não há ligações entre elas, mas as diversas chantagens que pesam sobre os políticos e as instituições arriscam-se a provocar uma paralisia do sistema político e uma implosão das instituições, que poderá acarretar o fim do atual modelo democrático.
Começando no rei e acabando cá em baixo, é difícil encontrar personalidades do Estado que não estejam a ser ameaçadas por uma ou outra chantagem. Não há partido político de peso que de uma ou outra maneira não esteja imerso neste estado de ameaças.
O ex-sócio do genro do rei, Diego Torres, dá mais voltas à manivela da chantagem contra o seu sócio Iñaki Urdangarin, que se estendem, cada vez com mais força, à mulher, a infanta Cristina, e atingem a Casa Real. Na sua última comparência em tribunal, Torres foi mais longe ao especular com intervenções diretas do rei, de uma amiga muito próxima de Juan Carlos I e até mesmo do príncipe Felipe.

Ouve-se rosnar a fúria dos cidadãos

No Governo as coisas não estão melhor. Mariano Rajoy, na dupla condição de presidente do PP e do Executivo, não dá qualquer explicação sobre o facto de Luís Bárcenas ter sido funcionário do partido durante mais de dois anos após a sua demissão como senador e de ter estado implicado no 'caso Gürtel' [o escândalo de corrupção que envolveu responsáveis do Partido Popular e empresários que beneficiavam de favores nos concursos públicos]. Ninguém sabe explicar o porquê desse tratamento privilegiado a alguém que levou 22 milhões de euros para a Suíça e que foi responsável pelas finanças do PP durante mais de 20 anos.
Como num folhetim em fascículos do século XIX, os espanhóis vão todos os dias à banca de jornais ou à Internet para ficarem a conhecer a evolução dos malvados que fizeram de Espanha uma imensa cloaca de corrupção. O assunto é conversa obrigatória nos escritórios, nas fábricas, nos cafés. Calou tão fundo nos cidadãos que a indignação transborda sem controlo.
Na Catalunha, a estabilidade política está ameaçada pelo caso das agências de detetives que realizavam investigações sobre os negócios e a vida privada de conhecidos políticos. Parece que a chantagem era o objetivo destas encomendas, cujos responsáveis se procura agora. Nas próximas semanas alguns dos políticos envolvidos no processo soberanista poderá ganhar o estatuto de arguido por corrupção.

A hipótese da eutanásia

É difícil encontrar uma constelação que junte tantos astros das sarjetas do Estado. A indignação aumenta, as redes sociais fervem e os movimentos de cidadãos indignados começam a ter as suas primeiras vitórias sobre o Parlamento e sobre as decisões dos partidos maioritários.
Se a conjugação se mantiver, se a Infanta Cristina for chamada a depor nos processos de corrupção do Duque de Palma e se os altos dirigentes do PP, incluindo o próprio primeiro-ministro, forem chamados a tribunal, a estabilidade do Governo pode tornar-se insustentável.
Entretanto, não há reação perante as sucessivas chantagens. Luis Bárcenas gere eficazmente as suas agendas e os seus documentos. Até agora conseguiu, nem mais nem menos, que Mariano Rajoy, longe de pôr em marcha processos judiciais contra ele, nem sequer se atreva a pronunciar o seu nome. Aceitar uma chantagem provoca tanta ou mais debilidade do que conhecer-se o seu conteúdo. Se as exigências do chantagista são insuportáveis, o aconselhável é a eutanásia, para não prolongar o sofrimento do doente.

É preciso revelar a verdade

A este panorama desolador há que acrescentar a crise sistémica da CEOE (Confederação Patronal). O seu anterior presidente [Gerardo Díaz Ferrán] está preso por crimes graves de corrupção. O seu sucessor [Joan Rossell] age como um pirómano ao pôr em dúvida dos dados oficiais do Estado sobre o desemprego e insulta e ofende centenas de milhares de trabalhadores da função pública. E o seu vice-presidente [Arturo Fernández] vai ter de renunciar ao cargo, por causa do processo de fuga de pagamentos à Segurança Social e às Finanças por fazer pagamentos não declarados aos seus trabalhadores.
E, a propósito de doenças, os contínuos achaques do rei de Espanha, a sua idade e as obrigações imprescindíveis da sua agenda são fatores de preocupação acrescida, numa instituição hereditária que não está assim tão consolidada que possibilite que a sua primeira sucessão não seja complexa e delicada.
As cargas estão todas postas na estrutura do Estado. Se implodirem a partir do interior, será muito difícil manter de pé os pilares que o suportam. Mas o risco de destabilização não pode nem deve impedir que se saiba a verdade. Desta vez, os cidadão não estão dispostos nem a perdoar nem a esquecer.

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Análises

Os eleitores são reféns do sistema

O professor de Filosofia do Direito espanhol Jorge Urdánoz Ganuza não tem dúvidas quanto à origem da corrupção que atinge a classe política espanhola: a culpa é do sistema bipartidário, dominado pelo Partido Popular (PP, direita) e pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), sem concorrência real dos outros partidos, escreve aquele professor, no jornal El País. Assim,

para os milhões de espanhóis que vivem nos círculos eleitorais mais pequenos […] só há duas opções: ou votam no PP, mesmo que as suas listas incluam corruptos, ou deixam que ganhe o PSOE. E vice-versa: ou votam no PSOE, quer este os convença quer não, ou deixam que ganhe o PP. […] No PP a fuga em frente é hoje possível, porque se sabe que, nas próximas eleições, os milhões de votantes do partido não terão outra opção que não seja escolher entre este e o PSOE.

A crise política "sobrepôs-se à crise económica […], adiando o tratamento adequado desta e contribuindo para a agravar", salienta o jornal La Vanguardia, segundo o qual

Esta crise política é uma crise do Estado de direito […] com duas consequências fatais: em primeiro lugar, as leis – e as decisões judiciais – não são cumpridas; em segundo, as instituições tornam-se ineficazes, devido à sua descredibilização sempre crescente.

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