Menos férias para mais crescimento?

Para ultrapassar a crise, vários países europeus encaram mais ou menos seriamente a possibilidade de reduzir os dias de férias pagas. Uma ideia tentadora mas com efeitos contraproducentes.

Publicado em 6 Agosto 2013 às 07:13

Em pleno verão, o governo francês decidiu suprimir as férias do mês de agosto e antecipar um mês a rentrée, para encher os cofres do Estado. Este é o cenário do recente filme de Antonin Peretjatko, La Fille du 14 juillet [A Rapariga do 14 de Julho].

É pouco provável que o governo de Jean-Marc Ayrault, ou qualquer outro governo, tome uma decisão tão repentina quanto drástica. Mas a ideia de reduzir as férias para favorecer a economia não é apenas apanágio de argumentistas de cinema.

Em 2010, duas federações representantes das PME alemãs propuseram a redução para uma ou duas semanas da quantidade legal de férias pagas “para preservar a retoma” económica. Mais recentemente, o secretário de Estado italiano da Economia propôs a redução de uma semana de férias pagas para tirar o seu país da recessão, afirmando que tal medida teria “um impacto imediato de cerca de um ponto sobre o PIB”.

A ideia nem sempre vem de cima: em março de 2012, os eleitores suíços rejeitaram por 65,5% um referendo federal saído de uma iniciativa popular que propunha instituir duas semanas suplementares de férias pagas, temendo as suas consequências negativas para a economia.

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Benefícios teóricos

Com a crise económica que a Europa atravessa, os países europeus procuram ganhar competitividade diminuindo os custos de produção e, sobretudo, o custo do trabalho. Para atingir esse objetivo podem, por exemplo, reduzir os salários, como fez a Espanha em 2010. Uma política muito impopular e que comporta enormes riscos.

Reduzir as férias pagas é, teoricamente, uma outra solução. Podem, até, calcular-se os efeitos teóricos de uma tal medida. “Estima-se que um dia a mais de trabalho trará entre 0,07 e 0,08 pontos de crescimento suplementar”, afirma Ronan Mahieu, chefe do departamento de contas nacionais no Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos (Insee), “O efeito sobre o crescimento anual continua muito fraco.” Fraco mas real.

Apesar destes benefícios teóricos de dias de trabalho suplementares, todos os países da União Europeia oferecem, pelo menos, 20 dias de férias pagas aos seus trabalhadores. [[Do outro lado do Atlântico, são muitos os que defendem que os 20 ou 30 dias de férias pagas concedidos pelos países europeus são uma aberração económica]], tal como defendem que outros benefícios sociais são demasiado generosos.

Um salário generoso é mais produtivo

No entanto, o impacto negativo das férias pagas sobre a economia nunca foi provado e há quem defenda mesmo o contrário. “De um ponto de vista teórico, quanto mais férias um trabalhador tiver, mais feliz se sentirá e mais a sua produtividade no trabalho aumentará”, explica Francesco Vona, economista no Observatório Francês de Conjunturas Económicas. “Há também uma explicação cognitiva: a nossa capacidade de concentração é limitada e a nossa criatividade está ligada à nossa capacidade de ver as coisas a partir do exterior, o que é difícil de fazer quando se trabalha de mais.”

Mas, atenção, ao conceder demasiadas férias pagas, também corremos o risco de aumentar a cadência de trabalho em setores como a indústria, para compensar a perda de tempo de trabalho efetivo dos assalariados. Ora, uma cadência demasiado intensa pode ter os mesmo efeitos nefastos sobre a saúde (stresse, cansaço, doenças) do que a falta de férias.

De maneira geral, quanto mais rico é um país, mais pequeno é o seu número de horas de trabalho por ano, o que não quer necessariamente dizer que a maneira de um país enriquecer rapidamente é reduzir o número de horas de trabalho, reduzindo, por exemplo, o horário de trabalho. A Coreia do Sul e o México, que trabalham ainda mais horas por ano do que a Grécia, têm um crescimento muito mais elevado do que a França.

Abordagem mais flexível

Há boas razões para pensar que mais férias levam a um aumento da produtividade dos trabalhadores, mas o que interessa a um país é, antes de mais, o crescimento económico, ou seja, a produção de riqueza suplementar por comparação com o período anterior. Ora, a ideia de que as férias suplementares podem melhorar a produção total de um ano e, assim, gerarem crescimento, é bem menos evidente: se fosse esse o caso, a melhor maneira de maximizar a produção seria existirem férias pagas ao longo de todo o ano.

“Calcular o valor do impacto real de um dia de férias a mais ou a menos sobre a economia é muito difícil”, defende Ronan Mahieu do Insee, que lembra que nem todos os trabalhadores gozam as férias a que têm direito.

[[Há um número ideal de férias pagas para a economia? Sem dúvida que não]], sobretudo porque o número mínimo legal de dias de férias não corresponde aos dias de férias efetivamente gozados pelos trabalhadores, entre aqueles que não tiram todos os dias de férias a que têm direito e aqueles que trabalham em setores ou em empresas que oferecem o dobro do mínimo de dias legal.

A solução talvez resida numa abordagem muito mais flexível das férias e, de uma maneira geral, do tempo de trabalho.
Ou, ainda, em imaginarmos um futuro com um número de dias de férias ilimitado, como acontece em empresas como a IBM ou a Netflix. O princípio? Deixar os trabalhadores tirarem os dias de férias que quiserem, desde que o trabalho apareça feito dentro do prazo. Um método que parece dar frutos.

Visto do Reino Unido

Ataque às férias mais sagradas

The Economist acredita que, no Continente, “as férias pagas na Europa continuam a ser apenas isso, férias” e considera que isto é “tão verdade nos países anglo-saxónicos e nos países germânicos como nos países latinos”.

Para o jornal um aumento da produtividade nem sempre corresponde a um aumento do número de horas de trabalho, salientando o facto de que, na II Guerra Mundial, as horas de trabalho, que podiam chegar às 100 horas por semana, foram reduzidas, potenciando, assim, um aumento da produção.

Entretanto, qualquer tentativa para eliminar o direito a férias tem tido pouco êxito, continua o diário:

Quando Itália tentou mudar alguns feriados do meio da semana, os fiéis de Nápoles disseram que o milagre de San Gennaro, o santo patrono cujo sangue seco fica liquefeito no dia 19 de setembro (e, pelo menos, em mais dois dias específicos), não podia ser alterado por decreto. Nem os próprios patrões se mostram contentes com a ideia de fazer trabalhar mais os seus empregados.

A Business Europe, a federação patronal, afirma que não negociou uma redução das licenças remuneradas. Emma Marcegaglia, presidente da federação, não estava disponível para prestar declarações. Tinha ido de férias.

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