Mito grego e orçamento de Bruxelas

Publicado em 1 Julho 2011 às 12:32

A Grécia é o berço da Europa e a fonte de fonte de muitos mitos, que podem ser convertidos em metáforas jornalísticas. O rochedo de Sísifo, os trabalhos de Hércules e o tonel das Danaides já foram largamente utilizados para ilustrar a situação em que se encontram o país e o seu Governo. Permitimo-nos acrescentar aqui a lenda de Dédalo.

Tal como o construtor encerrado pelo rei Minos, com o seu filho Ícaro, no labirinto que ele mesmo traçara, a União Europeia encontra-se encurralada pela crise, ao ponto de todos os caminhos difíceis desembocarem num impasse. De um lado, está a política de austeridade imposta aos gregos desde há um ano. Essa política não só não teve praticamente qualquer efeito em termos da redução do défice e da reforma de um sistema corrupto e ineficaz como, conforme tinham sublinhado muito especialistas, deitou por terra a possibilidade de um crescimento económico, necessário para pôr termo à crise. Do outro, estão os planos de resgate. Os 110 mil milhões prometidos cavaram um fosso psicológico entre os europeus do Norte e do Sul e conduziram ao endurecimento da posição da Alemanha nas negociações europeias, sem, contudo, melhorarem a situação dos gregos ou representarem uma perspetiva real de saída da crise.

Outra alternativa possível seria a reestruturação da dívida grega. Mas não tardou a que se chegasse a um impasse, porque os dirigentes europeus receiam a reação dos mercados e a propagação da crise a outros países da zona euro. Em simultâneo, alguns desses mesmos dirigentes optam pela via de uma maior integração económica e de um "federalismo de crise", que conduz à emissão de euro obrigações e a uma coordenação supranacional das políticas fiscais e orçamentais. Contudo, neste caso, a sua abordagem colide com os interesses divergentes dos Estados-Membros. E, de qualquer modo, o aprofundamento da integração política e económica vai contra a opinião pública, que exprime o seu euroceticismo nas urnas.

Resumindo: para onde quer que se olhe, a UE-Dédalo está numa situação difícil. E, tal como a personagem do mito, terá que encontrar uma forma de sair do labirinto por cima. Curiosamente, foi a Comissão Europeia a propor uma saída. Esta semana, ao apresentar o projeto de orçamento para o período 2014-2020, o executivo comunitário qualificou como "financiamentos prioritários" os "projetos transfronteiriços nos setores da energia, dos transportes e da tecnologia da informação" e propôs um "montante significativamente mais elevado para a Investigação e a Inovação para investir na nossa competitividade; e mais fundos para a juventude europeia". Ou seja, identificou os domínios em que os europeus devem investir (e empenhar-se) para sair do declínio económico e social em que se encontram mergulhados.

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Infelizmente, estas belas perspetivas são contraditórias com as políticas impostas por Bruxelas e pelos Vinte Sete aos países em crise e mesmo na maior parte dos países europeus. E sabemos muito bem que as boas intenções proclamadas pela Comissão antes das negociações que vão ter início não implicam um compromisso desta, uma vez que poderá atribuir a responsabilidade aos Estados, ou mesmo ao Parlamento, se todas as suas ambições forem revistas em baixa.

Austeridade real versus ambições no papel: os dirigentes europeus não poderão continuar a governar durante muito mais tempo com base nesta contradição que os povos europeus sentem no quotidiano. Foi por esquecer a realidade que Ícaro, o filho de Dédalo, queimou as asas.

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