Foto: Shahram Sharif

Mudar a relação com a natureza é só o começo

Numa crónica publicada em Le Monde, o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin apela a uma mudança civilazacional,capaz de dar outra importância ao amor, à solidariedade e à poesia. Para ele só a ecologia política será capaz de corporizar tal projecto.

Publicado em 16 Junho 2009 às 14:35
Foto: Shahram Sharif

O êxito dos Verdes, nas eleições europeias em França, não deve, nem ser sobrestimado, nem subestimado. Não deve ser sobrestimado, porque resulta em parte da fraqueza do Partido Socialista, da fraca credibilidade do [partido centrista francês] MoDem e das pequenas formações de esquerda. Não deve ser subestimado, porque confirma o progresso político da consciência ecológica no nosso país.

Mas o que permanece insuficiente é a consciência da relação entre política e ecologia. Com efeito, os problemas da justiça, do Estado, da igualdade, das relações sociais, não abarcam a ecologia. Uma política que não englobe a ecologia fica mutilada, mas uma política que se reduza à ecologia fica igualmente mutilada.

À visão de um homem “sobre-natural” ainda não se substituiu a visão da nossa interdependência complexa com o mundo vivo, cuja morte significará a nossa própria morte.

Qualquer política ecológica tem duas faces, uma voltada para a natureza, outra para a sociedade. Assim, uma política que visa substituir as energias fósseis poluentes por energias limpas é, simultaneamente, parte de uma política de saúde, de higiene e de qualidade da vida. A política das economias de energia é ao mesmo tempo parte de uma política de luta contra as intoxicações consumistas das classes médias. A política que visa descontaminar as cidades, desenvolvendo os transportes públicos eléctricos, tornando pedonais os centros históricos, contribui fortemente para a re-humanização das cidades, acrescentando-se-lhe a reintrodução do carácter social misto, suprimindo os guetos sociais – mesmo os guetos de luxo para privilegiados.

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Com efeito, a segunda faceta da ecologia política inclui já aspectos económicos e sociais. Tem algo mais profundo, que não se encontra ainda em nenhum programa político, e que é a necessidade absoluta de alterar as nossas vidas de forma positiva, não apenas no sentido da sobriedade, mas sobretudo no sentido da qualidade e da poesia da vida.

Só que este aspecto ainda não está suficientemente desenvolvido na ecologia política.

Antes de mais, ela ainda não assimilou a segunda mensagem, efectivamente complementar, formulada na mesma época da mensagem ecológica, no início dos anos 1970, por Ivan Illich [pensador da ecologia política]. Ele formulou uma crítica original da nossa civilização, mostrando que um mal-estar psicológico acompanhava os progressos do bem-estar material. Esse mal-estar é crescente e resulta da medicamentação de soníferos e antidepressivos, da psicoterapia, da psicanálise, dos gurus – mas não é entendido como um efeito civilizacional.

O cálculo aplicado a todos os aspectos da vida humana oculta o que não pode ser calculado, ou seja, o sofrimento, a felicidade, a alegria, o amor, em suma, tudo o que é importante na nossa vida e que parece extra-social, meramente pessoal. Todas as soluções encaradas são quantitativas: crescimento económico, crescimento do PIB. Quando vai, então, a política tomar em consideração a imensa necessidade de amor desta espécie humana perdida no cosmos?

Uma política que integre a ecologia no conjunto do problema humano enfrentaria os problemas colocados pelos efeitos negativos, cada vez mais importantes em relação aos efeitos positivos, dos desenvolvimentos da nossa civilização, entre os quais a degradação das solidariedades. Isso far-nos-ia compreender que a instauração de novas solidariedades é um aspecto capital para uma política civilizacional.

Assim, a ecologia política poderia entrar numa grande política regenerada, e contribuir para regenerá-la.

Se a ecologia política tem a sua verdade e as suas insuficiências, os partidos de esquerda, cada um à sua maneira, têm também as suas verdades, os seus erros e as suas carências. Deviam todos decompor-se para se recomporem numa força política regenerada, capaz de abrir novas vias. A via económica seria a de uma economia plural. A via social seria a da regressão das desigualdades, da desburocratização das organizações públicas e privadas, da instauração das solidariedades. A via existencial seria a de uma reforma da vida, onde viria ao de cima o que é sentido obscuramente por cada um: que o amor e a compreensão são os bens mais preciosos para o ser humano e que o importante é viver poeticamente, isto é, em pleno desenvolvimento pessoal, comunhão e paixão.

E se é verdade que o percurso da nossa civilização, que se tornou globalizada, conduz ao abismo e que temos de alterar a rota, todas as novas vias deveriam convergir para constituir uma grande via que leve, mais que a uma revolução, a uma metamorfose. Não estamos sequer no início da regeneração política. Mas a ecologia política pode arrancar e animar o início de um início.

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