Ainda não chegou a sua hora

Não enterrem tão depressa a UE

A sentença de morte decretada pelo politólogo americano Charles Kupchan suscitou reações na Europa. A gestão da crise do euro prova que, apesar das dificuldades, a integração continua, nota o diário Il Sole-24 Ore.

Publicado em 3 Setembro 2010 às 14:19
Ainda não chegou a sua hora

No passado dia 1 de maio, em Aix-la-Chapelle, a chanceler alemã Angela Merkel apresentou uma nova perspectiva sobre a Europa na entrega do Prémio Carlos Magno ao primeiro ministro polaco, Donald Tusk, em pleno maremoto económico e financeiro grego. "A crise do euro" – sublinhou – "não é uma crise igual às outras. Trata-se da maior prova para a Europa, depois da assinatura do Tratado de Roma em 1957. Trata-se de uma prova existencial. Se falharmos, as consequências serão incalculáveis. Se ultrapassarmos a crise, a Europa sairá dela mais forte do que nunca."

Esta declaração foi tão inesperada, que a imprensa internacional foi literalmente apanhada de surpresa. "Se pretendemos superar a crise", acrescentou a chanceler alemã, "temos de enfrentar de forma mais eficaz os desafios reais, assumir as necessárias consequências jurídicas e unificar mais do que nunca a nossa política económica e financeira. Devemos também tomar iniciativas que excedam a esfera económica, criando, por exemplo, um exército europeu. No fundo, temos de defender os nossos princípios e os nossos valores, isto é, a democracia, a proteção dos Direitos Humanos e o crescimento sustentável".

Apesar das nações, nasce uma governação económica

À luz das declarações de Angela Merkel,, a análise do professor americano Charles Kupchan, que anuncia o fim da integração europeia, prova até que ponto é difícil, e não só nos Estados Unidos, compreender bem a Europa. Embora pareça provocadora esta sentença de morte, declarada num país vitimado por uma crise tão violenta que lhe fez perder qualquer noção de identidade e de futuro, a Europa, cujos contornos são ainda muito vagos, continua a ser, desde a sua criação, um barco à deriva.

O centro do poder deslocou-se de Bruxelas para Berlim por causa da crise. Para calcular a verdadeira influência da Alemanha nesta matéria, é necessário ler o comunicado do Conselho Europeu de 11 de fevereiro de 2010. Nessa altura, a crise grega atingia o ponto culminante e os apelos multiplicavam-se para que os países economicamente mais fortes manifestassem solidariedade com Atenas. Mas o termo "solidariedade" não se encontra no comunicado. Herman Van Rompuy, o novo presidente do Conselho Europeu, apoiou a posição de Berlim, que sublinhava as responsabilidades da Grécia e reconhecia a participação de todos os Estados-membros, de acordo com o respetivo interesse na solidez do euro. Nesse momento, a retórica europeia mudou: a solidariedade comum deu lugar ao interesse nacional.

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Entre o Conselho de fevereiro e o que se realizou no final de março, Angela Merkel assumiu a iniciativa europeia, deixando completamente à margem o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o próprio Herman Van Rompuy. As decisões do Conselho Europeu são tomadas entre Paris e Berlim, de acordo com o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, que assume um papel intermediário crucial. Apesar do confronto que as separa, as duas capitais parecem estar, no entanto, a caminho de uma cooperação e de uma governação económica do euro.

Todos os países europeus se aproximam do modelo alemão

Em abril a lentidão das decisões europeias, em várias ocasiões denunciada por Jean-Claude Trichet, deixou o campo aberto aos mercados financeiros, convencidos de que o envolvimento político de Berlim na Europa é cada vez menor e de que a solidariedade está irremediavelmente condenada. Veio a revelar-se um erro de cálculo. As decisões tomadas no início de maio permitiram criar um instrumento de ajuda comum [mecanismo de estabilização] que vai controlar a crise grega. O euro constitui "a pedra angular da construção europeia", declarou Angela Merkel. "O seu fracasso traria consequências desastrosas para a Europa."

O euro traz, inclusive, vantagens consideráveis à Alemanha. Todos os países europeus se aproximam do modelo económico alemão: uma disciplina fiscal maior, reformas estruturais que permitem ajustar as diferenças de competitividade, criação de um mecanismo de resolução das crises e reforço da coordenação económica. De resto, estes elementos estão na ordem de trabalhos da task force sobre governação económica dirigida por Herman Van Rompuy, que irá apresentar resultados nos próximos meses.

Em julho, o Conselho Europeu chegou a acordo sobre o serviço diplomático comum e determinou que algumas formas de gestão das crises económicas passem a ser permanentes. Além disso, Mario Monti criou uma nova estratégia para o mercado interno e o orçamento comum irá contemplar novos projetos.

A crise e as suas consequências mostraram aos países europeus uma nova imagem da globalização. Os Estados, que compreenderam as virtudes e os deveres do euro, reformulam agora os interesses comuns. Provavelmente iremos precisar de novos tratados europeus, como sugeriu Angela Merkel, e de novas perspetivas políticas. Se a crise não marcou, como afirma Charles Kupchan, o fim da Europa, talvez tenha virado a ampulheta.

Reações

Quatro receitas para tempos difíceis

O artigo de Charles Kupchan teve, paradoxalmente, o efeito de provocar uma vaga de orgulho e otimismo junto dos analistas europeus. Quatro deles, interrogados pelo diário Il Sole 24 Ore, admitiram que a Europa atravessa dificuldades mas que, por enquanto, ainda não está acabada. Segundo Matra Dassù, do Instituto Aspen, os problemas de governação da UE devem-se ao fato de a União Europeia “já não ser um sonho, mas uma realidade”, e a chave desta crise reside na gestão dos desequilíbrios provocados pelo peso crescente da Alemanha. O economista Franco Bruni afirma que “o caminho da retoma começa com reformas financeiras. As políticas orçamentais com as quais trabalha a UE deverá provocar mais coesão”. Daniel Gros, diretor do Center for European Policy Studies [Centro de Estudos de Políticas Europeias], sugere que “a retoma deve vir dos Estados-membros” e que “chegará quando os eleitores perceberem que o tempo de mudança chegou”. Quanto a Stefano Micossi, professor do Colégio da Europa em Bruges, sustenta que “a atual fraqueza da Europa é representada pela dupla Barroso-Van Rompuy” e que “tem falta de líderes internacionais e de bússola”. Apesar de tudo, “a reação contra o risco de falta de pagamento dos seus membros tem demonstrado que, apesar da falta de um condutor, já foi iniciada uma viragem”.

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