Os balcãs e a crise
Durante as manifestações de Sarajevo, em fevereiro de 2014.

No país mais pobre da Europa

Publicado em 20 Março 2015 às 18:01
Luca Bonacini  | Durante as manifestações de Sarajevo, em fevereiro de 2014.

“Há um ano, a Bósnia atravessou uma vaga de protestos […] desencadeados pela pobreza e o desemprego”, escreve Buka, uma revista de Banja Luka, município da entidade sérvia da República da Bósnia. Desencadeadas na cidade de Tuzla, “as manifestações rapidamente se estenderam ao resto do país”. As câmaras municipais e os ministérios foram incendiados por cidadãos cansados do imobilismo, da corrupção e do marasmo económico no qual o país estava mergulhado. Como relembra Buka, segundo o Eurostat, a Bósnia partilha com a Albânia o título pouco invejável de país mais pobre da Europa: “o poder de compra representa um terço da média europeia, apenas um habitante em cada dois com idade para trabalhar está ativo e um terço deles está desempregado”.
Quanto ao Governo, acrescenta a revista,

seja nível nacional ou local, não há qualquer estratégia para o desenvolvimento do país, a não ser o cumprimento do pacto para o crescimento e o emprego imposto pela União Europeia – que até à data não forneceu os resultados esperados. A Bósnia encontra-se assim entre a espada e a parede e vive um conflito semelhante ao que opõe os países do norte e do sul da Europa: restringidos pelo dogma da austeridade e demasiado endividados para poder financiar-se nos mercados.
Os comités de cidadãos que lideraram as manifestações de 2014 desapareceram ou foram integrados em movimentos mais “institucionais”.
Face a esta situação, os partidos populistas de direita, atualmente no poder tanto na Federação croato-muçulmana como na entidade sérvia, estão num impasse, observa Buka, uma vez que
o único meio de obter a paz social seria ao obter outros créditos de credores internacionais a um custo exorbitante, uma solução que rapidamente se tornaria insustentável. Devemos portanto encarar a possibilidade de surgirem brevemente manifestações parecidas às de fevereiro de 2014. O Governo não terá outra opção: face a uma diminuição das receitas, será obrigado a cortar nas despesas públicas. […] No final, as manifestações, onde participaram trabalhadores e pequenos empresários, poderão aumentar e tornar-se imponentes. Os intelectuais de direita estimam que a Bósnia-Herzegovina só poderá ser salva com reformas radicais, como a transferência de poderes dos dirigentes políticos para operadores privados que, com a liberalização da economia, poderiam relançar o crescimento. Mas para que este plano se realize, é necessário tempo e, hoje, a Bósnia não se pode dar ao luxo de esperar.
A esta difícil situação económica somou-se um elemento desestabilizador, tão imprevisto quanto inquietante: a chegada da organização Estado Islâmico (EI), relata o jornalista do La Stampa, que se mudou para Gornja Maoča. “Limpa” da sua população sérvia durante a guerra, esta aldeia no este da Bósnia tornou-se num feudo salafista. Os mujaedines que se instalaram depois da guerra aplicam a sharia e, recentemente, puderam ver bandeiras do Estado Islâmico nas varandas e janelas, antes que a polícia as removesse.
Gornja Maoča é “uma base” para os muçulmanos dos Balcãs que queiram unir-se às fileiras do Estado Islâmico, explica por sua vez o Le Temps. Segundo as estimativas oficiais, citadas pelo La Stampa,
130 bósnios partiram para combater na Síria e no Iraque pelo Estado Islâmico e, pelo menos, trinta terão morrido. No entanto, tratar-se-ia de um número otimista, para não provocar o pânico.
Para o Le Temps, “a Bósnia voltou a ser uma terra de missão” para os recrutadores da jihad. Durante a guerra,
este país foi um dos primeiros destinos da nova jihad “global” que se propagou após a guerra do Afeganistão, mas a “marca” islamita não teve êxito, pois a tradicional tolerância própria do islão balcânico serviu de anticorpo e a Comunidade islâmica da Bósnia-Herzegovina continua a ser uma instituição respeitada. […] A “salvaguarda” de uma tradição específica do “islão europeu” dos Balcãs já não existe. O desafio é maior porque as comunidades islâmicas dos Balcãs ocupam uma posição estratégica essencial na rota que leva ao Oriente Próximo, enquanto as redes da diáspora se estendem por toda a Europa.
O apelo da jihad é uma consequência direta da situação económica, afirma ao diário de Genebra o responsável de uma ONG local: “com o desemprego endémico que afeta a região, o islão é frequentemente a única porta de saída da miséria social”.

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