Ideias Austeridade europeia
Um manifestante coberto de tinta, afeto a um sindicato pró-comunista, durante uma manifestação nas ruas de Atenas, a 20 de outubro de 2011.

O cinismo das elites gregas

Após dois dias de greves de massas e lutas de rua, a Grécia parece estar cada vez mais perto do abismo. Com os dirigentes europeus reunidos no próximo domingo para uma última tentativa de salvar o euro, um autor grego condena as elites nacionais que levaram o país à presente conjuntura.

Publicado em 21 Outubro 2011 às 16:22
Um manifestante coberto de tinta, afeto a um sindicato pró-comunista, durante uma manifestação nas ruas de Atenas, a 20 de outubro de 2011.

Os trabalhadores de uma pequena padaria no centro de Atenas anunciaram esta semana que, embora não fechassem, porque abastecem muitas pessoas vulneráveis, se associavam à greve geral de dois dias através da cobrança de todos os produtos a preço de custo. Uma surpresa inesperada para os seus clientes, nestes tempos difíceis, mas uma história comum na vida de resistência e de simpatia, na capital grega. Entretanto, nenhum ministro ou deputado consegue aparecer em público sem ser vaiado ou "iogurtado" (a versão grega de levar com ovos ou tomates).

A Grécia está dividida em duas. De um lado estão os políticos, os banqueiros, os que fogem aos impostos e os barões da Comunicação Social, que apoiam a mais violenta e elitista re-estruturação social e cultural que a Europa Ocidental já conheceu. A "outra" Grécia inclui a esmagadora maioria da população. Isso ficou claro quando cerca de 500 mil pessoas tomaram as ruas, na maior manifestação de que há memória.

A tentativa de criar uma divisão entre os funcionários públicos (ritualmente apresentados como preguiçosos e corruptos) e os empregados do setor privado (canalizadores "que fogem ao fisco") falhou. O único sucesso de que o Governo de Papandreu se pode gabar é a abolição da velha divisão direita-esquerda – substituída por uma divisão entre as elites e o povo.

A "outra" Grécia vai formular a acusação histórica

A Europa vai em breve decidir como resolver a dívida, com o Governo grego a fazer o triste papel de observador. Mas uma vez que o único assunto que preocupa a Europa tenha sido resolvido, o fim do jogo político vai começar em Atenas. Nessa altura, a "outra" Grécia vai formular a acusação histórica.

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As elites políticas serão acusadas de fomentar a ilegalidade – termo que têm livremente utilizado contra aqueles que lhes resistem. Dois partidos dinásticos têm governado alternadamente o país nos últimos 40 anos, criando o excessivo e ineficaz setor público que agora atacam. Fecharam os olhos à evasão fiscal e criaram um sistema generoso de dispensa de impostos.

Contraíram dívidas, mesmo depois de os problemas serem evidentes, o que levou à intervenção europeia. No entanto, um representante da "troika" de credores – FMI, UE e Banco Central Europeu – disse a um jornal grego que não exigiu a abolição da negociação coletiva no setor privado, medida que gerou alguma oposição dentro do partido no poder. Nem foi exigência da troika a mudança radical da lei das universidades. É como se as elites gregas desejassem esta dívida para orquestrar a destruição em massa do Estado social e para transferir os bens públicos para mãos privadas.

O Governo de Papandreu vai ser acusado de incompetência e cinismo moral. Qualquer regime autoritário sonha em mudar radicalmente a sociedade. A missão deste Governo era substituir proteção por indiferença, hospitalidade por exploração. Falhou e, agora, apenas uma espessa barreira de homens fardados separa a elite do povo indignado.

As pessoas vão reagir com fúria

O desemprego entre os jovens caminha para os 50%; a Grécia vai pagar durante décadas a destruição de toda uma geração. A troika vai ser acusada de arrogância neocolonial. Não é preciso conhecer o mito de Sísifo para ver que medidas conducentes a -7% de crescimento não reduzem o défice.

Não é preciso ter lido Platão para compreender que reduzir salários e pensões significa que metade das pessoas não vai ser capaz de pagar novos impostos exorbitantes. Não é preciso conhecer a história grega para entender que, se insistirem em que a soberania de um país se reduz, as pessoas vão reagir com fúria.

A manifestação de quinta-feira terminou tragicamente com a morte de um sindicalista. Os últimos vestígios de legitimidade governamental desapareceram e o Governo cairá em breve. O défice democrático de que sofrem os sistemas políticos em toda a parte é irreversível na Grécia. A responsabilidade da "outra" Grécia está em conceber uma constituição de justiça social e democracia para o século XXI. É isso que a Grécia tem para oferecer ao mundo.

Visto de Atenas

Violência em casa, cacofonia na Europa

Para Ta Nea, a aprovação no Parlamento do novo plano de austeridade, destinado a abrir caminho para o novo pacote de ajudas internacionais, constitui “o terceiro ato da tragédia grega” representado a 20 de outubro. Os dois outros são “a cacofonia que persiste na Europa”, mesmo que a cimeira “resolutiva” da crise da dívida, de 23 de outubro, “não tenha sido adiada, mas reforçada por uma segunda a 26 para decidir a re-estruturação da dívida” grega, tudo sobre um fundo de mercados “nervosos”. E a violência, com a morte de um manifestante, que mancha a mensagem forte de um povo à beira do abismo”.

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