Fábrica da Ford, em Saarlouis, na Alemanha (AFP)

O milagre alemão pode salvar a Espanha

Com a crise, 17% da população activa espanhola não tem emprego. O El Pais sugere que o governo de Madrid poderia copiar o modelo alemão para minimizar este problema.

Publicado em 19 Junho 2009 às 15:44
Fábrica da Ford, em Saarlouis, na Alemanha (AFP)

Este é no novo milagre: a contracção económica da Alemanha é a mais aparatosa de todos os grandes países da Europa. No entanto, a Alemanha não cria desemprego. Com efeito, no primeiro trimestre de 2009, o PIB alemão caiu 6,9% em relação ao mesmo período do ano anterior, mais do dobro do que em Espanha (-3%) (segundo o Eurostat). De Abril do ano passado a Abril de 2009, o desemprego cresceu na Alemanha, passando a atingir 7,7% da população activa em vez dos anteriores 7,4%; em Espanha, quase duplicou, aumentando de 10% para 18,1%.

Há várias medidas que explicam este milagre alemão, sobretudo duas delas. Uma é a flexibilidade que permite a redução dos horários de trabalho nas empresas que enfrentam uma crise conjuntural de encomendas, o [sistema] kurzarbeit, apoiado pelo Estado. Este foi aplicado a 1,5 milhões de trabalhadores, a uma média de redução em um terço do dia de trabalho, o que implica a manutenção de quase meio milhão de empregos a tempo inteiro equivalentes. A outra é a suspensão temporária do emprego: a empresa paga 10% do salário e o Estado quase todo o resto; o trabalhador continua a figurar na folha de salários mas a sua única tarefa é aproveitar o tempo livre para actualizar os seus conhecimentos. É uma espécie de ERE (processos de reduções de pessoal - modalidade de regulamentação espanhola) temporários numerosos mas mais rápidos, quase sem requisitos administrativos, como aqui, onde, em 90% dos casos, são difíceis de acordar, e correspondem à suspensão temporária e não definitiva do emprego. A eliminação de postos de trabalho quase não afecta aqueles que têm contratos sem termo. Dois terços dos empregos eliminados no último ano eram temporários.

O sucesso alemão na salvaguarda de empregos não parece um mero passe de cosmética estatística, que contabilize como empregados operários colocados. Baseia-se num cálculo sério. Na sua qualidade de economia que mais exporta (48% do seu PIB) e mais competitiva do mundo, quando passar o mau momento do comércio mundial, a Alemanha recuperará ao nível das exportações e do emprego real das suas empresas, porque estas são viáveis. Essa aposta assenta também numa cultura empresarial urdida a longo prazo, a cultura do capitalismo renano que Michel Albert retratou no seu «Capitalismo contra capitalismo» (1992) e que perdeu terreno face ao capitalismo de curto prazo e associal anglo-saxónico. Um sistema bastante ancilosado que adquiriu uma flexibilidade radical desde o princípio deste século, com a Agenda 2010 [da coligação] dos vermelhos e verdes de Gerhard Schröder, cegamente seguida por Angela Merkel: o grande segredo da continuidade essencial em matéria de política económica!

Foi uma reforma múltipla do mercado laboral (e de outros), que envolveu sacrifícios dificilmente negociados pela Comissão Hartz, e não centrada nos custos dos despedimentos: horário de trabalho, auto-emprego, mini-empregos, duração do subsídio de desemprego, moderação salarial, alargamento da idade de reforma, participação financeira do utente nos medicamentos… Uma reforma que permitiu que a Alemanha recuperasse a competitividade perdida (10 pontos em relação à zona euro, 17 em relação aos EUA e 24 em relação a Espanha) e retomasse a primazia mundial em matéria de exportação, o pressuposto que permite a confiança a longo prazo. E que aperfeiçoou um instrumento decisivo, a rede de agências de emprego (públicas, federais, estatais e privadas), grandemente eficaz.

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Uma reforma laboral não é a panaceia para superar a crise (que tem uma origem diferente) nem a varinha de condão que gera emprego. Mas a experiência alemã prova que ajuda a gerá-lo. Ou, pelo menos, a mantê-lo. Ou a criar as condições para vir a gerá-lo. Sobretudo evitam-se as medidas isoladas. E, isso sim, lança-se um pacto de "políticas activas, legislação laboral, formação e protecção social”, como preconiza, em Bruxelas, o director de Políticas de Emprego da Comissão Europeia, Xavier Prats.

Em Espanha, pondo de lado as propostas de empresários, os debates de economistas e as mensagens do governador, há qualquer coisa que começa a mexer na política. A Espanha pode aprender com a Alemanha.

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