O momento mais difícil

A crise económica, juntamente com a do sistema bancário, mergulharam a Espanha numa situação de urgência. Mas os seus problemas, tais como os da Europa, têm a mesma origem: o domínio dos interesses nacionais e dos particularismos. A solução? Novas instituições criadas através do voluntarismo político.

Publicado em 5 Junho 2012 às 10:53

Espanha vive uma das horas mais difíceis da sua história recente. Dominada pela garra de desconfiança que paira tanto sobre o seu setor financeiro como sobre as suas finanças públicas, tenta por todos os meios conjurar a perspetiva de uma intervenção externa. Essa intervenção seria duplamente negativa: para além de implicar um enorme golpe psicológico, sem dúvida estaria também associada a novos e mais profundos sacrifícios e com a perda quase completa da escassa margem de autonomia que, neste momento, ainda nos resta.

Com toda a certeza teríamos de recuar a alguns momentos chave da transição espanhola ou aos primeiros anos de democracia para conseguirmos encontrar uma sensação igual de incerteza quanto ao futuro.

Se a adesão à União Europeia selou a transição democrática e a normalização internacional do nosso país, a notícia de que Espanha acederia à união monetária juntamente com o grupo dos países europeus mais avançados elevou a sempre frágil autoestima nacional a tais extremos que alguns, inclusivamente, se permitiram brincar com as datas 1898 [derrota na guerra com os Estados Unidos e perda das últimas colónias]-1998 para falarem do fim de um ciclo de decadência e fracasso e da abertura de um horizonte completamente diferente. Por causa disso, mesmo nos piores momentos das ditas crises, o nosso país manteve um sentido de direção compreensível e um horizonte de saída claro e até mesmo ambicioso.

Mas nada disso se passa agora, quando a perda de confiança interior e exterior e a falta de um horizonte nacional e europeu são as principais características da crise. Talvez por essa razão, esta seja a primeira crise em que muitos espanhóis, em vez de pensarem num futuro melhor, sonham simplesmente em recuperar o seu passado imediato e os níveis de vida que já tiveram, o que marca uma importante distância psicológica relativamente a outros momentos da vida política espanhola. Isto é, evidentemente, tanto interna como externamente.

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Internamente, a crise expôs um país percorrido por múltiplas brechas. Ao desemprego galopante e ao estancamento da economia há que acrescentar as sombras que, umas a seguir às outras, foram atingindo as principais instituições financeiras do país. A monarquia, os partidos políticos, o poder judicial, o banco de Espanha, as comunidades autónomas, as entidades locais ou o sistema financeiro; dá a impressão de que nenhuma destas instituições chave, algumas das quais foram e são a pedra basilar do regime democrático iluminado pela Constituição de 1978, escapou ao desgaste e à perda de confiança dos cidadãos.

A falência do país soma-se à falência da Europa

Deceção semelhante experimenta-se no âmbito europeu. A Espanha democrática e a integração europeia foram e são duas caras da mesma moeda. Da mesma maneira que não podemos entender a nossa recente experiência democrática sem passar pela Europa, as suas instituições e as suas políticas, tampouco podemos tomar decisões chave ou pensar no nosso futuro como espanhóis sem o fazermos no contexto europeu. Mas agora, num país onde o interesse europeu e o interesse nacional eram indistintos, a falência do país soma-se à falência da Europa.

Chegada a hora da verdade, a Europa traiu-se a si mesma e aos seus princípios: onde devia ter prevalecido uma lógica europeia e de projeto comum impôs-se uma lógica baseada nos interesses nacionais, nas identidades e nos particularismos. A Grécia foi e ainda é a prova evidente de tudo isto: a irresponsabilidade das elites gregas e a falta de liderança das elites europeias gerou um ciclo vicioso que conduz diretamente à desintegração e à rutura.

É a confluência destas debilidades nacionais e europeias que explica por que está a custar tanto sair da crise e por que é tão elevada a incerteza. Assim, da mesma maneira que existe uma dúvida razoável sobre se a atual configuração do sistema autonómico é um obstáculo ou um ativo para a superação da crise, no âmbito europeu também está muito difundido o convencimento de que a crise se deve a um desenho institucional erróneo da união monetária, que criou os desequilíbrios económicos que nos trouxeram até aqui. Não é por acaso que em ambos os níveis, o europeu e o nacional, estejamos a falar do alcance da descentralização, das competências, da fiscalidade, da autoridade e da legitimidade política: tanto a democracia nacional como o sistema político europeu estão submetidos a fortes tensões, tensões que devem ser adequadamente resolvidas se se quer gerar confiança.

Em Espanha e na Europa devemos reconstruir as instituições e a confiança pois é evidente que, com os desenhos institucionais atuais e as atuais relações de poder, não saímos da situação em que estamos. Paradoxalmente, isto permite ter confiança no futuro: em Espanha e na Europa esta crise é política, por isso, a sua solução está na política e, por tanto, ao alcance da mão. Voluntarismo? Sim, é exatamente disso que precisamos, em Espanha e na Europa.

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