"Se renunciares ao marco, terás o meu apoio para reunificar a Alemanha..."

O peso do euro na reunificação

Em 1989, no exacto momento em que o Muro caía, decorriam negociações secretas entre Paris e Bona sobre a União Monetária Europeia. Será que os alemães sacrificaram o seu marco por causa da reunificação, pergunta Der Spiegel, que teve acesso a documentos secretos.

Publicado em 1 Outubro 2010 às 15:55
"Se renunciares ao marco, terás o meu apoio para reunificar a Alemanha..."

O pai da reunificação alemã está furioso. Wolfgang Schäuble, ministro do Interior do chanceler Helmut Kohl, principal negociador do Tratado de Reunificação, não encontra palavras suficientemente duras para revelar o seu desagrado. Traz na mão o livro de Peer Steinbrück, antigo presidente do SPD. O que o deixa furioso? Uma simples frase no segundo capítulo sobre o "touro coxo” europeu, quase impercetível neste longo ensaio: "Abdicar do marco alemão em troca de um euro estável foi uma das concessões que abriu caminho à unificação alemã”.

"Nunca fizemos semelhante acordo", insurge-se Wolfgang Schäuble. Mas Peer Steinbrück está convencido do contrário. Todas as pessoas que estiveram em contacto com o Governo francês podem confirmar isso, explica. Hubert Védrine, por exemplo, então conselheiro de François Mitterrand, está convencido de que o Presidente francês provavelmente não teria aprovado o alargamento da RFA se os alemães não tivessem aceite a União Monetária. "Mitterrand não queria uma reunificação alemã sem um avanço na integração europeia", explica Hubert Védrine. "E o único domínio em que era possível avançar era o monetário."

Não se trata apenas de uma querela política, mas de um veredicto histórico sobre os principais projetos do Governo federal alemão nestas últimas décadas. A ser verídica, a versão francesa lança a dúvida sobre as comemorações nacionais alemãs e o euro, já caído em desgraça desde o plano de salvamento da Grécia, poderá vir a ser afetado. Algumas vozes críticas, como a do antigo chanceler alemão, Gerhard Schröder, já consideraram o euro "uma criança prematura com uma saúde frágil". Pior do que isso é poderem dizer agora que a moeda europeia foi praticamente imposta aos alemães.

A ameaça do isolamento

Os documentos, até à data confidenciais, dos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros a que Der Spiegel teve acesso, revelam que a situação era bem mais complicada do que se pensava. Delineava-se uma vasta aliança na Europa ocidental contra a reunificação alemã e a aliança franco-alemã esteve prestes a acabar. Mitterrand disse claramente ao Governo de Bona que não tardaria a ficar muito isolado no continente, "como em 1913". Até ao momento em que os acontecimentos se precipitaram, no final de 1989, as conversações sobre a moeda única seguiam o habitual ritmo lento e trabalhoso de Bruxelas.

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Todas as tentativas se logravam devido aos interesses opostos entre os países inflacionistas do sul e a Alemanha e a Holanda, parceiros intransigentes. Os franceses seriam particularmente afetados pelo sistema monetário em vigor, que encaravam como um sistema a duas velocidades que os prejudicava. "A bomba atómica é para a França o que o marco alemão é para a Alemanha", ouvia-se nos corredores do Palácio do Eliseu.

E eis que, de um dia para o outro, no primeiro plano das questões internacionais, surge uma questão que até mesmo os negociadores da altura julgavam ainda mais utópica do que a moeda única europeia: a reunificação alemã. No final de novembro de 1989, Helmut Kohl apresentou o seu projeto com dez pontos sobre uma confederação alemã para que "o povo alemão possa escolher livremente a sua reunificação". Os parceiros ocidentais ficaram de fora. Preparar-se-ia Kohl, em segredo, para isolar a Alemanha reunificada? Quando François Mitterrand ouviu a explicação de Helmut Kohl, foi acometido por "um ligeiro ataque de nervos de várias horas", observa o seu conselheiro.

Silêncio glacial

O desenrolar dos acontecimentos revela bem como o Presidente francês se sentiu traído. O ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Hans-Dietrich Genscher, foi chamado ao Eliseu. Este encontro foi memorável e mostra, melhor do que qualquer outro documento confidencial, como o apoio de François Mitterrand à reunificação alemã estava dependente de uma concessão alemã sobre a União Monetária. Mitterrand ameaça vetar a reunificação alemã. Se isso acontecesse, Bona não teria apenas a oposição da então primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher.

O ministro alemão dos Negócios Estrangeiros mostra-se razoável e assume com o Presidente francês um importante compromisso. "É preciso tomar uma decisão em Estrasburgo sobre a conferência intergovernamental para preparar a União Monetária e Económica", responde Genscher. A 8 de dezembro de 1989, quando Helmut Kohl e Hans-Dietrich Genscher entram na sala de conferências de Estrasburgo, são recebidos com um silêncio gélido. Só a muito custo conseguem o apoio dos seus parceiros europeus para a reunificação alemã. Em contrapartida, é aprovado o calendário francês da União Monetária. Não se discute a união política.

Todos têm a ganhar

Os acontecimentos precipitam-se. No verão de 1990, a RFA e a ex-RDA assinam o Acordo de Reunificação e a 3 de outubro a Europa saúda a nova República Federal da Alemanha. Em dezembro, os chefes de Estado e de Governo reúnem-se em Roma para preparar a Conferência Intergovernamental sobre a União Monetária. Assim que os Estados-membros assinam o Tratado de Maastricht, em fevereiro de 1992, que prevê a introdução do euro, Hans-Dietrich Genscher sente-se profundamente feliz. "Para mim, esta decisão representa a concretização de uma promessa feita durante as negociações sobre a reunificação", explica.

Abdicar do marco alemão terá sido o preço a pagar pela reunificação? Não há dúvidas de que a queda do regime na ex-RDA precipitou a entrada do projeto europeu numa etapa decisiva da sua história. "É provável que a União Monetária Europeia nunca tivesse acontecido sem a reunificação alemã", declara o antigo presidente do Bundesbank, Karl Otto Pöhl. Esta concessão acabou por ser proveitosa para os dois chefes de Estado. Ao permitir a união da Alemanha com a sua parte oriental, Mitterrand ajudou Kohl a ser o Chanceler da Reunificação. Em troca, Kohl prometeu abdicar do marco alemão, facto que representou uma das grandes vitórias da presidência de François Mitterrand.

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