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Após o dilúvio, em Nowshera, na Província do Noroeste.

O problema com o Paquistão

Três semanas após o início das inundações no Paquistão, os governos e os cidadãos europeus continuam sem reagir. Preconceitos, lassidão, lentidão da comunicação social: as causas são múltiplas, mas não justificam a inação, considera a imprensa europeia.

Publicado em 19 Agosto 2010 às 15:26
Após o dilúvio, em Nowshera, na Província do Noroeste.

Dez dias após o primeiro tremor de terra no Haiti, em janeiro, as promessas de ajuda ascendiam já a mil milhões de dólares. Aquando do tremor de terra de 2005 no Paquistão, quase 300 milhões de dólares foram reunidos em poucos dias. O tsunami de 2005 suscitou um impulso de solidariedade nunca igualado. Mas, apesar dos seus 20 milhões de vítimas, as inundações no Paquistão não parecem comover governos nem cidadãos europeus, que mostra renitência em abrir os cordões à bolsa, como revela o diagrama publicado pelo The Guardian.

Passaram quase três semanas desde o início da catástrofe e "finalmente, a ONU e alguns doadores internacionais tomam consciência das dimensões do desastre", salienta a este propósito o diário paquistanês The Nation, segundo o qual "enquanto certos países, como os Estados Unidos, fazem de tudo para alardear os seus contributos e os aliados tradicionais do Paquistão (Arábia Saudita, China, Irão) fornecem em silêncio a ajuda possível, a UE permanece parca de contribuições".

"Islamofobia flagrante"

"Muitos paquistaneses surpreendem-se com a reação do Ocidente", escreve o historiador paquistanês Tariq Ali no Süddeutsche Zeitung. "Alguns países consideram que, como o Paquistão é tido como um refúgio de terroristas, a Europa e os Estados Unidos preferem manter os cordões da bolsa bem apertados. A situação é um pouco mais complicada e o problema não é apenas do Paquistão. Realmente, se a ajuda internacional é tão limitada é sobretudo porque, depois do 11 de setembro, a Europa e parte da América do Norte foi assolada por uma notória islamofobia. Numa sondagem recente, quando se perguntava ‘o que lhe sugere, antes de mais, a palavra Islão?', mais de metade das pessoas interrogadas respondeu 'terrorismo'."

"Claro que este estudo foi efetuado no Reino Unido. Mas é sabido que os franceses, os alemães, os holandeses e os dinamarqueses pensam da mesma maneira. O Paquistão é pasto das águas e o resto do mundo não liga a isso", constata Tariq Ali com amargura. “É verdade que o preconceito latente contra os países de cultura muçulmana é uma das razões para a magreza da ajuda internacional. A isso acrescenta-se outro fator, local: muitos paquistaneses preferem guardar o dinheiro que têm, com medo que vá parar aos bolsos dos seus dirigentes corruptos". "O Paquistão tem contribuído para a sua má reputação internacional", responde-lhe, implacável, o Jyllands Posten, segundo o qual o país " é considerado o lugar mais perigoso do mundo, uma potência nuclear com um exército que não quer ou não chega para controlar os talibãs e a Al-Qaida, e com serviços secretos que apoiam os talibãs". Dito isto, apesar de "não suscitar simpatia, o Paquistão tem necessidade de uma ajuda em massa", acrescenta o diário dinamarquês.

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"O auxílio humanitário será sensível à discriminação religiosa?", interroga-se o Libération, segundo o qual a ajuda proveniente das organizações muçulmanas é muito superior à de outras ONG. De forma alguma, responde o De Volkskrant, nas colunas do qual dois representantes de ONG afirmam que, no caso de uma catástrofe como a do Paquistão, os apoios humanitários ativamtivam-se a partir do primeiro dia e são diretamente desbloqueados fundos próprios de emergência”.

"Imagens de penúria"

Contrariamente ao que afirmam muitos dos comentadores nos últimos dias, “a situação política não é um fator determinante para o malogro ou o sucesso de uma coleta”, explica, por seu lado, no Trouw, um professor de Filantropia da Universidade VU de Amesterdão, segundo o qual “os donativos dependem sobretudo de imagens. Estas devem ser pungentes, humanas e divulgadas com insistência. Além disso, as informações sobre a catástrofe devem ser tratadas, prioritariamente, pelos órgãos de comunicação social”. Essa é a razão pela qual o Libération exorta os jornalistas a "fazerem barulho mediático" em torno da catástrofe. "A escassez de imagens, a ausência de reportagens fortes e comoventes secou na fonte a generosidade da opinião pública", diz o diário, que recorda "uma lei elementar: a justiça supõe razão; mas a caridade é fundada na emoção. Sem ela, não há impulso, não há iniciativa, não há solidariedade humana".

Sem ela, não há impulso, não há iniciativa, não há solidariedade humana". Depois de se ter feito esperar, a dos europeus começa a chegar. Enquanto a França pede a criação de uma força de reação rápida para emergências, a comissária para a Ajuda Humanitária, Kristallina Georgieva, anuncia a proposta “para breve” de uma nova política da UE para fazer face a este tipo de emergências, divulga o EUobserver. Pressionada por todas as partes, a UE limitou a 115 milhões de euros (dos 460 milhões de fundos de emergência que a ONU solicitou) o montante da sua ajuda e encara organizar uma conferência internacional de doadores para o mês de outubro, explica o Süddeutsche Zeitung. "Os europeus tiveram finalmente coragem para pôr o inimaginável sofrimento das vítimas à frente da imagem negativa do Paquistão no Ocidente", escreve a este respeito o diário de Munique. O desafio é de monta, nota o diário: "os que vão apoiar financeiramente a reconstrução do país a longo prazo não se limitarão a diminuir o sofrimento das vítimas. Vão também contribuir para o estabelecimento da paz na região". Mas isso implica um compromisso financeiro mais significativo: "Os países ocidentais, que salvaram os seus bancos injetando dinheiro às centenas de milhões, vão ter de puxar mais pelas carteiras para conseguirem a estabilidade do Paquistão".

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