Austeridade? Eu?

Oligarcas à espera de uma oportunidade

Uma rede de clãs corruptos controla setores-chave da economia grega e lucra ao máximo com a persistente desorganização do país, escreve o autor de “McMafia”.

Publicado em 9 Novembro 2011 às 15:00
Austeridade? Eu?

Caprichoso, desonesto e tendencioso, eis alguns dos epítetos mais publicáveis que foram lançados a George Papandreu na sua última semana como primeiro-ministro da Grécia. Olhemos para os motivos dos seus detratores, antes de aceitarmos tais críticas pelo seu valor facial. Embrenhado em lutas políticas titânicas, dentro e fora do país, foi discretamente tentando resolver algumas das causas mais tenazes da tragédia grega – o crime e a corrupção.

Enquanto o novo Governo grego tenta desesperadamente convencer a Europa da sua determinação em reduzir drasticamente o inflado setor público do país, tem igualmente de decidir se vai enfrentar a verdadeira ameaça interna à estabilidade do país: a rede oligárquica de famílias que controlam grandes fatias da atividade grega, a finança, a Comunicação Social e, em boa verdade, os políticos.

Desde que Papandreu se tornou primeiro-ministro, o seu Governo tentou destruir a evasão fiscal vigente. Num discurso feito na sexta-feira ao Parlamento, deixou clara a sua profunda preocupação em relação às atividades de alguns dos mais duvidosos bancos da Grécia. Resta apenas esperar que a auditoria BlackRock, lançada pela troika, seja devidamente competente do ponto de vista forense para trazer a lume o que realmente se passa no sistema financeiro.

Dinheiro grego no mercado imobiliário londrino

No mesmo discurso, Papandreu revelou informações bombásticas sobre um esquema de contrabando pan-balcânico de combustível, que faz alegadamente perder à Grécia um montante anual estimado em três mil milhões de euros. Enunciou claramente os danos que esse tipo de atividades criminosas tem provocado, poupando apenas os nomes dos envolvidos.

Newsletter em português

Os oligarcas responderam de duas maneiras. Primeiro, aceleraram a sua habitual prática de exportação de dinheiro – só no ano passado, o mercado imobiliário de Londres registou um aumento brutal de dinheiro grego.

Em segundo lugar, mobilizaram um setor histérico da Comunicação Social, de que são proprietários, no sentido de denunciar e prejudicar a intervenção de Papandreu a cada oportunidade, cientes de que ele é o menos flexível dentro da elite política da Grécia.

O objetivo é claro – estão à espera, para deitar mão ao património do Estado que, ao abrigo dos vários planos de recuperação, o Governo grego vai ter de privatizar. Com a economia interna em queda livre, o preço das ações de entidades extremamente valiosas, como a rede elétrica e a lotaria nacional, têm vindo a descer acentuadamente de forma constante nos últimos dois anos. A participação de 10% na OTE, o fornecedor grego de telecomunicações, foi vendida à Deutsche Telekom a cerca de 7 euros por ação, neste verão, uma queda de 75% do seu preço três anos antes.

Os conglomerados das oligarquias estão à espera de os apanhar a nada menos de um quinto do seu preço real – um indigente retorno financeiro para o Estado, mas uma bênção a 5-10 anos para os compradores. Alguns estão mesmo apostados na saída da Grécia do euro, para poderem utilizar os milhares de milhões de euros postos a recato fora do país, para comprarem esses bens a preços altamente depreciados em dracmas.

União Europeia tem tolerado corrupção generalizada

Se a crise na Grécia e na Itália nos dá alguma lição, é que a União Europeia tem tolerado corrupção generalizada, criminalidade e governação danosa, não apenas em países aspirantes da Europa de Leste, mas também em alguns dos seus principais Estados-membros. Ao mesmo tempo que nós, europeus, apregoamos ao mundo a importância dos valores europeus – transparência, boa governação e concorrência –, muitas vezes fechamos os olhos ao monopólio de Berlusconi sobre órgãos de Comunicação, à influência da Camorra na política da Campânia ou ao compadrio crónico na economia grega (sobre o qual os Governos britânico e alemão, para citar apenas esses, estão plenamente informados).

Se alguma coisa há que aproveitar da catástrofe que a Europa enfrenta, é essencial a destruição desses padrões de corrupção. Caso contrário, nem a Grécia nem a Itália se libertarão alguma vez da esclerose institucional que permite que tais práticas prosperem. Antes de olhar enlevadamente para o norte da Europa à espera de uma resposta, lembremos os milhares de milhões de dólares em subornos que empresas alemãs, como a Siemens e a Ferrostaal, têm pago danosamente aos seus interlocutores gregos. Fizeram-no para garantir contratos lucrativos a com preços inflacionados, aproveitados por aqueles gregos decentes que ganham relativamente pouco, mas, ao contrário dos países super-ricos, não pagam os seus impostos.

Para a Grécia, a grande questão é saber se, depois de Papandreu, o país possui o talento e a visão política necessários para introduzir reformas radicais que reanimem as gangrenadas instituições do Estado e, bem assim, para deter a pilhagem da economia grega pelos seus cidadãos mais ricos e poderosos. Eis algo para os credores internacionais ponderarem, também.

O meu palpite é que, provavelmente, tal não sucederá e os esforços de Papandreu serão registados como a última tentativa real para salvar o país.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico