Notícias Proibição de fumar

Os checos resistem

A UE dedica-se, com sucesso, a uma metódica caça ao tabaco nos lugares públicos. Só a República Checa resiste: fiel à sua conceção liberal, procura, por todos os meios, contornar a regulamentação europeia.

Publicado em 14 Agosto 2013 às 15:40

Para levar a cabo a sua missão, o ministro da Saúde irlandês, James Reilly, baseia-se numa enorme motivação pessoal. Tendo ficado cego depois de um enfarte, o pai morreu depois de ter estado acamado durante anos. E um cancro do pulmão levou-lhe recentemente o irmão. Médico de profissão, tentou em vão, durante anos, deixar de fumar.

“Não é um mau hábito, é uma doença insidiosa e devemos combater aqueles que a propagam”, afirma, explicando assim aos jornalistas como conseguiu, na primavera passada, convencer o seu país a introduzir, para todas as marcas de cigarros, uma embalagem única onde há uma imagens de uns pulmões devastados pelo tabaco. A Irlanda foi o segundo país, após a Austrália, a adotar tal regra.

Reilly e os seus colegas de governo fizeram da luta contra o tabaco o tema central dos seis meses de presidência irlandesa do Conselho da UE. Acabou a 30 de junho e o resultado foi extraordinário. Em junho, os ministros da Saúde da União decidiram que, dentro de três anos, todos os países da UE terão de aplicar a mesma medida que a Irlanda. Falta só a aprovação do Parlamento Europeu.

Ponta do icebergue

Os observadores defendem que o último ator a poder ainda quebrar essa vontade é uma das forças mais misteriosas e mais poderosas da política atual: o lóbi do tabaco. “Peço-vos que saiam da sala, excetuando os chefes de delegação.” Os diplomatas europeus lembram-se bem destas palavras pronunciadas por James Reilly, um pedido sem precedentes, feito num dos momentos decisivos das negociações que tiveram lugar no Luxemburgo sobre a diretiva dos “maços de cigarros”.

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Mas compreende-se facilmente. As empresas de tabaco eram informadas em pormenor, após cada uma das reuniões, sobre o avanço das conversações. Muitos dos participantes, por outro lado, tinham ainda muito presente o inquérito de que foi alvo o comissário europeu da Saúde, John Dalli, suspeito de ter conseguido alterar a legislação da UE em troca de subornos pagos pela indústria do tabaco.
Quando Reilly conseguiu impor-se, o jornal de Bruxelas EUobserver comparou a sua vitória a "David versus Golias". Golias é, neste caso, um lóbi que emprega uma centena de pessoas em Bruxelas e dispõe de um orçamento anual de cinco milhões de euros. No entanto, e aparentemente, isso é apenas “a ponta de um icebergue” de um exército muito maior de guerreiros a favor do tabaco, que desde há anos conseguem ter uma notável influência junto dos assessores dos responsáveis políticos que gravitam em volta da Comissão Europeia.
[[Os governos dos Estados-membros são, evidentemente, o alvo privilegiado dos lóbis, porque são os únicos capazes de ratificarem definitivamente as decisões de Bruxelas]]. Quando, em 2012, cientistas britânicos realizaram um estudo aprofundado sobre a evolução da saúde na Europa, usaram a República Checa como um caso de estudo da qualidade de um país exposto à influência do lóbi do tabaco. “Esses pequenos Estados são especialmente vulneráveis.

Nos Estados Unidos, descobrimos uma estratégia muito refletida das companhias tabaqueiras. Concentram-se a longo prazo nos Estados pequenos, porque aí é mais fácil ganharem influência e, no momento do voto, têm o mesmo peso que os grandes Estados”, explica a diretora executiva da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, Helen Ross, que co-dirigiu o inquérito.

Grandes negócios

A diretiva “tabaco” recebeu a forte oposição da delegação checa. De todas as delegações, foi a única a optar por uma política “sem concessões”, exigindo o arquivamento da diretiva. É apenas graças a um novo sistema de votação posto em prática pelo Tratado de Lisboa que o veto checo, isolado, não conseguiu bloquear o projeto.
Estará a explicação na frenética pressão das empresas tabaqueiras em sua defesa, como sustenta Helen Ross? Nesse caso, de que forma exata agem esses lóbis? Nem os investigadores britânicos têm respostas para questões concretas como estas.
Helen Ross passou, ainda assim, algumas semanas em Praga, em 2012, e encontrou-se com cerca de uma dezena de responsáveis políticos, funcionários públicos e representantes de companhias de tabaco. As conclusões da sua investigação são eloquentes. “Os representantes oficiais da República Checa utilizam um discurso que, invariavelmente, convém muito aos fabricantes de cigarros, usando os seus argumentos habituais e recusando qualquer mudança. O seu poder de influência é evidente”, resume.

Como um pouco por toda a Europa, o tabaco, na República Checa, é um grande negócio. A Philip Morris está implantada em Kutna Hora [cidade da Boémia central]. Sozinha, representa cerca de 40% do mercado e declara um lucro anual de 100 milhões de euros. Os grupos internacionais British American Tobacco, Imperial Tobacco e Japan Tobacco partilham entre si o resto do mercado.

Pode não parecer muito à primeira vista, tendo em conta que a companhia energética estatal CEZ aufere igual montante a cada três semanas. No entanto, o tabaco gera dois mil milhões de euros em impostos. Cerca de 77% do preço de um maço de cigarros vai diretamente para os cofres do Estado.

Não há provas diretas

O interessante é que, embora tenha havido muitos indícios, ao longo dos anos, de que as tabaqueiras financiam partidos políticos em segredo, nunca se descobriram provas diretas de corrupção até à data. Em entrevistas concedidas sob anonimato, os lobistas revelam sempre a sua satisfação por encontrarem no ambiente político checo um grande número de responsáveis que, sem contrapartida alguma, defendem os interesses das empresas de tabaco, unicamente porque se oporem à União Europeia e às regulamentações em geral.

“É apenas mais uma invenção de Bruxelas para regular o mercado. Hoje são os cigarros, amanhã proíbem-nos de comer gordura ou de guiarmos um carro. Temos de resistir e de defender a nossa liberdade”, declara Jaroslav Kubera, presidente do ODS [Partido Democrata Cívico, conservador] no Senado, repetindo os argumentos graças aos quais convenceu os líderes do seu partido a recusarem esse novo projeto europeu.
No quadro da comissão parlamentar dos Assuntos Europeus, os membros do ODS desencadearam mesmo um processo dito “cartão amarelo” contra a diretiva “tabaco”. Trata-se de um instrumento diplomático excecional que permite enviar um aviso a Bruxelas por abuso de poder [não-respeito do princípio da subsidiariedade].

[[Por agora, nem a esquerda checa pró-europeia promete mudanças]]. “Não vejo nisso um tema de combate político”, considera Jeroným Tejc, deputado do ČSSD [Partido Social-democrata]. “Essa questão não está em debate dentro do partido. Eu não fumo, mas respeito as opiniões dos meus colegas que têm uma relação diferente com o tabaco.”

Com um consumo [anual] de 2125 cigarros por habitante, a República Checa ocupa o 12.º lugar do mundo, entre a Rússia e a Bielorrússia. Segundo dados recentes do Instituto Nacional de Saúde Pública, a idade média do primeiro cigarro caiu para antes dos 12 anos, atingindo um marco histórico. As últimas sondagens de opinião realizadas pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Charles de Praga revelam, pelo contrário, que 80% da população e também metade dos fumadores, são favoráveis à proibição de fumar nos restaurantes. No ano passado, depois de décadas de atraso, a República Checa ratificou, finalmente, o acordo da Organização Mundial de Saúde [OMS] que impõe um endurecimento progressivo das legislações nacionais.

“Não tenho dúvidas de que as mentalidades mudarão na República Checa. Única questão é quando”, afirma o deputado [e médico] Boris Šťastný. “Acontecerá, mas só sob pressão da UE, ou depois de um empregado de mesa apresentar uma queixa em tribunal por ter desenvolvido cancro do pulmão no seu local de trabalho. Porque, nos outros países, foram exatamente casos assim que deram início a uma alteração da legislação e que permitiram compreender até que ponto está errado o discurso dos fumadores sobre a sua liberdade.”

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