Hieronymus Bosch: "A gula". Pormenor dos "Sete pecados capitais" (óleo sobre tela, 1475-80). Madrid, Museu do Prado

Os sete pecados dos europeus (1/2)

Os líderes políticos estão sempre dispostos a agitar a bandeira do espírito comunitário. Mas todos os países sofrem de uma fraqueza de caráter que contradiz os discursos e compromete a UE. Die Zeit traça o retrato dos nossos piores pecados.

Publicado em 14 Dezembro 2011 às 15:50
Hieronymus Bosch: "A gula". Pormenor dos "Sete pecados capitais" (óleo sobre tela, 1475-80). Madrid, Museu do Prado

A preguiça

Grécia A culpa é de Angela Merkel, dizem eles. Se a Europa está em dificuldades, é por causa da insensibilidade da Alemanha. Esta é a explicação que os tabloides dão para a crise da Grécia, bem como as palavras de ordem dos manifestantes e dos líderes populistas. Para os gregos, o problema é a dívida, mas o facto de os estrangeiros os quererem meter na ordem, os pressionarem a agir e lhes darem lições. Reagem mentindo a si próprios e mentindo à Europa.

Em Atenas, somos confrontados com a autoindulgência dos gregos. Quem são os responsáveis pela atual miséria? Uma sociedade baseada na dívida. Pessoas convencidas de que a Europa será sempre suficientemente rica para ajudar a Grécia. Corporações apegadas aos seus privilégios. Ferroviários do setor público com salários mirabolantes graças a uma tabela salarial inextrincável. Famílias que recebem as pensões dos parentes que já morreram. Responsáveis políticos que dão empregos aos sobrinhos e às sobrinhas dos seus eleitores. E os ditos sobrinhos e sobrinhas, que permitem que lhes deem tais empregos. É claro que os jornais de Atenas falam de tudo isto. Mas o que faz falta, na Grécia, é uma enorme cólera catártica contra estes gregos.

Em Atenas, os populistas ganham terreno à custa de Angela Merkel, mas são clementes para com os responsáveis locais da atual situação. Preferem combater um espantalho distante em vez de varrerem a sua própria porta. É nesta fraqueza, nesta inaptidão para a autocrítica que reside a verdadeira crise grega.

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Michael Thumann

A dissimulação

Suíça As quantias em jogo são colossais. De tal modo colossais que, normalmente, fazem dilatar as pupilas dos líderes políticos europeus. Só na Suíça, os particulares - a maior parte deles europeus - detêm 1,56 biliões de euros. Têm, também, 1,4 biliões no Reino Unido, sobretudo nas ilhas anglo-normandas, 440 no Luxemburgo, 78 no Liechtenstein. Todos estes países são, assim, cúmplices de evasão fiscal. Vão buscar as riquezas nacionais do estrangeiro e vivem dos juros.

E como reage a Europa? Em vez de se indignarem a uma só voz, as capitais europeias abordam estas práticas escandalosas como antigas tradições, assuntos diplomáticos. No que diz respeito ao Liechtenstein e à Suíça, alguns países, entre os quais a Alemanha, quiseram assinar os seus próprios acordos de dupla tributação: a ideia é que uma parte da dívida fiscal seja reembolsada ao país de origem dos fundos através de um único imposto. Esta abordagem compromete o projeto da Comissão Europeia para instituir trocas automáticas de informações com o objetivo de detetar fraudes - um projeto igualmente rejeitado pelo Luxemburgo. O mesmo Luxemburgo que proclama alto e bom som a solidariedade europeia.

Peer Teuwsen

A intolerância

Alemanha Pode existir uma Europa em que um país exporta e tem lucros enquanto os outros consomem e se endividam? Os alemães orgulham-se das suas exportações, que servem para provar o bom desempenho da sua economia. Ora, quando um país vende mais do que compra ao estrangeiro, isso acaba por trazer problemas a toda a gente. Este ano, as exportações alemãs para os países da UE permitiram arrecadar um excedente de 62 mil milhões de euros. O que significa que as mercadorias produzidas na Alemanha não foram trocadas por mercadorias estrangeiras, mas foram, por assim dizer, vendidas a crédito.

A Europa do Sul endivida-se junto da Alemanha para lhe comprar os seus produtos. Por outras palavras: a riqueza da Alemanha repousa sobre as dívidas dos seus vizinhos. Ora, quem são os primeiros a lamentar essas dívidas? Exatamente. Os alemães. Um dia destes, a falência ameaçará os devedores e os credores terão de rever as suas exigências de pagamento. Nos últimos anos, a Alemanha arrecadou perto de um bilião de euros em ativos estrangeiros - pode dizer adeus a grande parte desse dinheiro no dia em que o Sul deixar de conseguir pagar. Daí as atuais declarações da chanceler, que quer que toda a gente seja como os alemães.

Ou seja, espera-se que esses países também exportem mais do que importam. Por isso, é preciso baixar os salários, é preciso controlar o seu consumo. É mais fácil dizer do que fazer. Porque, se toda a gente se puser a vender, deixa de haver quem compre. E a economia fica a marcar passo. Se os europeus não querem inundar o resto do mundo com os seus produtos - o que o resto do mundo não deixará que aconteça - é preciso chegar a um equilíbrio dentro da própria União. Os italianos têm de apertar o cinto - e os alemães têm de gastar mais.

Mark Schieritz

A gula

Espanha – “Não esvaziarás de peixe o mar do teu vizinho”, podia ser um dos dez mandamentos europeus, logo seguido de: “Os teus agricultores não viverão à custa de uma profusão de subsídios europeus”. Para o período de 2007-2013, Bruxelas atribuiu à indústria de pesca espanhola mais de mil milhões de dólares [767 milhões de euros] - ou seja, muito mais do que a qualquer outro país da UE. Porque as águas europeias são grandes vítimas do excesso de captura, a Espanha envia as suas frotas ultra modernas para as costas do Senegal e da Mauritânia, não deixando grande coisa aos pescadores locais e ultrapassando as quotas de pesca acordadas.

É preciso processar judicialmente as empresas em causa e assinar novos acordos de pesca entre a UE e os países africanos. O governo espanhol opõe-se a estas duas propostas já de longa data. Tal como a uma nova reforma do sistema europeu de apoio ao mundo agrícola. Perto de 50 mil milhões de euros deixam, todos os anos, os cofres de Bruxelas em direção à agricultura europeia. A maior parte beneficia diretamente os agricultores de diferentes países da UE, que conseguem, assim, manter a sua competitividade num setor onde a concorrência é grande e se baseia em preços subsidiados. Entretanto, uma parte considerável da carne, dos lacticínios e dos legumes a preços reduzidos de Espanha, Itália, França e Alemanha aterram nos mercados africanos.

É bom para os pobres, argumentam os exportadores. O problema é que a produção de víveres locais de países como o Gana, os Camarões ou a Costa do Marfim, está em colapso. E que, em caso de subida dos preços dos produtos agrícolas de base, esses países deixam de poder importar o leite em pó, as aves ou os cereais da UE. No entanto, se isso desencadear uma crise de provisões, ou seja, uma crise alimentar, esses países poderão contar sempre com o apoio da Europa: a UE é o maior doador mundial de fundos em matéria de ajuda de emergência.

Andrea Böhm

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